A Eslovénia acolhe mais de uma centena de construções que, na sua maior parte, serviram os senhores feudais. Hoje, estão transformadas em mansões, em hotéis, em museus mas quase todas oferecem admiráveis panorâmicas sobre um território que se veste de verde.
- Perto da minha cidade, em Crnomelj, também há um castelo, o de Otocec (sobre uma ilha do rio Krka, tendo inspirado vários escritores eslovenos), onde se celebrou o casamento de um primo meu, uma cerimónia bonita e romântica que decorreu no interior, por entre uma decoração de estilo antigo, como supostamente deveria ser em tempos imemoriais.
Tina Križman fita o céu, como se a abóbada do mundo lhe devolvesse essa época, sorri e continua, sem que a deixe interromper.
- Mas é este castelo o que mais me atrai em todo o país. Não está longe de Ljubljana, é o ideal para um passeio de um dia, tem um vista soberba sobre o lago e, com os meus amigos, posso sempre alugar um barco antes de, ao final da tarde, saborear uma blejska kremsnita, um doce típico de Bled, para tornar o dia ainda mais doce.
A pletna, com o seu toldo colorido, sulca as águas, o homem, de braços fortes e mãos gordas, recorta-se na popa contra o céu sem um único fio de nuvens e, com agilidade, o rosto emoldurado por um esgar de esforço, rasga aquele manto esmeralda com os remos de madeira, pintados de um azul forte numa das extremidades. Encimando a colina, sobre um rochedo cinzento pelo qual trepa a vegetação, o castelo é como uma sentinela do lago, um dos quadros mais harmoniosos deste país moldado pelos Alpes e pelo Adriático, com pouco mais de dois milhões de habitantes e uma área ligeiramente superior a 20 mil metros quadrados (Portugal tem quase cinco vezes mais).
A pletna aproxima-se da pequena ilha no meio do lago glacial, dominada, ao cimo de uma escadaria, pela igreja da Assunção. À direita, continuo a avistar o castelo, majestoso a 130 metros de altura, as montanhas escurecidas como fundo e, mais para baixo, por entre os ramos irregulares das árvores, uma igreja cujo campanário sobe uma agulha, como um grande chapéu cónico. Um menino, com uns olhos de um azul-vivo, vai escutando da boca da mãe histórias de bruxas que não lhe provocam qualquer temor. No seu imaginário, o castelo, no topo, serve de cenário para a ficção. E ele ergue um olhar angustiado perante a ansiedade de caminhar por aquela varanda que se atira sobre o lago.
- Conta outra vez, roga, com uma insistência que apenas é quebrada quando o pai, segurando-o pelas pernas, o ajuda a tocar o sino da igreja, cumprindo uma tradição.
Mas logo os seus olhos dançam de novo pelo castelo.
- Conta outra vez.
Corria o ano de 1500, mais ano menos ano, o castelo era por essa altura administrado por Hartman Kreigh, um homem duro que, encorajado pelo regime de opressão da igreja e da realeza, privava os lavradores de todos os seus direitos. Um dia, Hartman Kreigh desapareceu, sem deixar rasto, alegadamente morto por ladrões, na pior das hipóteses vítima do descontentamento daqueles sobre quem abusara, ao abrigo da sua autoridade. Reza a lenda que a mulher, agora viúva, também governava com firmeza.
A pletna, cumprindo o percurso de volta, aproxima-se da margem do lago e a criança, como quem entoa um refrão, não se cansa de ouvir a história.
- Conta outra vez.
Poliksena terá roubado os agricultores até ao último centavo mas, provavelmente num acto de arrependimento, conduziu os seus passos para os cofres onde, ao longo dos anos, acumulara uma fortuna considerável, em prata e ouro. Com o ouro, mandou fazer um sino que deveria ser transportado para a igreja no meio daquela que é a única ilha natural da Eslovénia.
Era um dia de tempestade.
O barco, com a sua tripulação e o sino, afundou-se.
O lago não tem uma profundidade superior a 30 metros e o sino estará algures na lama que se acumula no fundo. Nos dias em que o silêncio impera, ainda se podem ouvir as suas badaladas.
Pode ser verdade.
Poliksena, no seu eterno pesar, doou parte da sua fortuna à igreja e instalou-se num convento, em Roma. Um dia, o Papa ouviu tão dramática história e, comovido, enviou um sino para a pequena igreja no meio do lago Bled.
Quem tocar o sino, pedindo uma desejo a Santa Maria, será correspondido.
Pode ser verdade.
Ao longe, ainda avisto a escadaria que desagua na igreja barroca. Manda a tradição que o noivo carregue a noiva até ao cimo, até à porta da igreja. Se o fizer, provavelmente contando uma a uma as 99 escadas, o casal viverá feliz.
Pode ser verdade.
- Conta outra vez.
Do castelo, a panorâmica fica gravada na memória com a mesma facilidade com que um postal de Bled pode ficar esquecido numa gaveta. Os Alpes Julianos, a cadeia montanhosa de Karavanke, o lago, com as suas águas serenas polvilhadas de pletnas, a ilha romântica – tudo o que nos rodeia convida-nos a virar as costas ao castelo que, mais do que um símbolo de Bled, é um símbolo da Eslovénia, com o seu estatuto de castelo mais antigo do país. Já em 1004, há mais de mil anos, o rei alemão Henrique II atribuiu os domínios de Bled, na província então conhecida como Carniola, ao bispado de Brixen. A figura suprema da igreja era Albuin, mais tarde substituído no cargo por Adalberon, a quem o mesmo monarca cedeu o castelo no cimo do penhasco – Veldes, como era designado pelos alemães -, conforme atesta uma carta de 1011, a primeira referência histórica ao imponente conjunto que foi passando de mão em mão até aos nossos dias.
Propriedade de Brixen, os seus representantes praticamente nunca colocaram os pés em Bled, talvez por temerem os seis dias de caminho para percorrer 300 quilómetros puxados por quatro cavalos ou os perigos que se escondiam ao longo dos vales durante o trajecto. Esta ausência, acrescida ao facto de a propriedade ser alugada com frequência, explica, pelo menos em parte, uma certa orfandade do interior, sem móveis valiosos, sem grande valor histórico – e muitos anos mais tarde, no século XIX e já depois da ocupação Francesa, nem com o regresso do bispado de Brixen a situação se alterou.
Os altos custos de manutenção do castelo, associados ao fim da lei feudal, apressaram a sua venda a industriais, mais tarde a mercadores e ainda a homens de negócios ligados à indústria hoteleira, megalómanos que, tendo comprado também o lago e a ilha, não tardaram a ver todo o complexo confiscado pela banca. Finalmente, em 1947, um incêndio destruiu grande parte do telhado do edifício, mas, cinco anos mais tarde, com a assinatura do arquitecto Tone Bitenc, um discípulo de Jože Plecnik, iniciaram-se as obras de restauro, que haveriam de se prolongar durante quase um decénio, mas que conferiram modernidade ao lugar e uma vocação para seduzir turistas que até esses dias não conhecera - e mesmo grandes figuras da vida política, atraídas por aquela paisagem inigualável, pela serenidade que sobe do lago e das montanhas tão bem recortadas contra o céu que, por agora, permanece azul.
Ainda parece que escuto a voz do menino.
Bled é como um postal. Mas um postal que nunca é ignorado numa gaveta. É uma memória, viva, permanente, uma recordação, porque as recordações nunca precisam de ser escavadas na mente para serem revisitadas. Estão presentes.
- Conta outra vez.
Skofja Loka
Uma neblina paira sobre a cidade, mas a igreja, pintada de um amarelo desmaiado, recebe os raios do sol que incidem também sobre os telhados que conferem harmonia a Skofja Loka. Finalmente, quando a manhã já avança, a bruma despede-se e deixa ver, dominando a pequena urbe situada na confluência dos rios Poljane Sora e Selca Sora e recortado pelas montanhas, o castelo homónimo, já documentado no século XIII. Ainda mais para cima, já quase a 500 metros acima do nível das águas do mar, avista-se a Krancelj, uma colina que acolhe as ruínas de uma antiga fortaleza onde, até 1892, se levantava aquela que era a estrutura mais alta do castelo, e à volta da qual foram nascendo núcleos residenciais.
Uma das cidades medievais mais bem preservadas do país, Skofja Loka tem uma forte e ancestral conotação com o poder eclesiástico por ter abrigado, já depois da construção do castelo erguido inicialmente com fins defensivos e até à secularização, nos primeiros anos do século XIX, o bispado de Freizing, um braço religioso do Sacro Império Romano-Germânico.
À volta da torre principal existiam, já no século XIV, alas residenciais que ligavam a outras torres defensivas, mas o forte terramoto que abalou a região, em 1511, provocou danos avultados que motivaram a sua renovação e da área circundante – uma das torres recebeu, em 1527, uma capela que acolhe, hoje, altares em talha dourada da igreja de Dražgoše, queimada pelos alemães. Com o fim do Sacro Império Romano-Germânico, o castelo, como aconteceu com Bled, passou de mão em mão, como um brinquedo, tendo proprietários sem qualquer noção de beleza estética ou de sentido histórico que hipotecaram alguns dos seus elementos mais marcantes.
Desde 1959 e até aos dias de hoje, o castelo, palco, de quando em vez, de manifestações que remetem o visitante para a Idade Média, abriga um museu e outras galerias com importantes colecções de arte de mercadores nativos de Škofja Loka e arredores, bem como uma amostra da história local e da vida na terra de Ivan Tavcar, o escritor, advogado e político que nasceu, no início da segunda metade do século XIX, numa aldeia próxima, em Poljane, na época parte integrante do Império Áustro-Húngaro.
Gewerkenegg
Só mesmo uma rajada de vento seria capaz de arrebatar aquela calma que pairava sobre a vila tão silenciosa. O céu vestia-se de um azul-cobalto, o ar era puro, a luz diáfana. A meio das escadas, detive-me para erguer o olhar. Era ainda cedo, dizia-me o relógio da torre que, mesmo ao meio, superava em altura as duas torres austeras que a ladeavam, com as suas janelinhas e o seu telhado avermelhado.
Não avisto um único turista.
Volto-me de novo para o castelo, o único, em todo o país, que não foi levantado pelos senhores feudais mas tão-só para fazer face às necessidades das minas de mercúrio – durante mais de 400 anos, Gewerkenegg funcionou como sede administrativa do sector que proporcionou um tempo de esplendor à região.
Idrija, a despeito de estar situada próxima da capital eslovena, para oeste, é praticamente ignorada pelos grandes circuitos turísticos, como uma boneca com quem a criança, agora já numa idade adulta, deixou de sentir prazer em brincar.
É pena – assim penso eu e muitos dos, não mais de, seis mil habitantes.
Para conhecer a história do castelo de Gewerkenegg é fundamental trilhar, em primeiro lugar, as etapas da vida de Idrija (cuja toponímia provém de hydrargyrum, a palavra latina para mercúrio), reconhecida (o seu património mineiro) pela UNESCO desde 2012. Em finais do século XV, reza a lenda, um fabricante de baldes de madeira, vertendo água para um deles, sentiu-o tão pesado que não o conseguiu mover – um mistério para este homem que, ignorando o fenómeno nunca visto, rumou a Škofja Loka para se elucidar, quase com a mesma velocidade com que a notícia se espalhou, provocando a corrida ao mercúrio no vale de Idrija. Assim, no mesmo local da descoberta não tardou a ser construída uma igreja, as escavações não cessavam (a segunda maior mina de mercúrio do mundo apenas superada por Almadén, em Espanha), nasceram moradias, teatros, escolas e, já em 1533, um castelo que, servindo de armazém, beneficiava também da sua localização estratégica em caso de eventual ataque turco.
Dominando o núcleo antigo de Idrija, o castelo foi construído em estilo renascentista mas todo o complexo foi renovado já no século XVIII, altura em que foi dotado de um pátio interior e de um conjunto de frescos com uma tonalidade ocre que abraçam janelas e arcadas num puro contraste com as suas paredes exteriores, despidas de motivos decorativos.
Actualmente, Gewerkenegg acolhe o museu Idrija, cuja atracção principal, entre exposições permanentes e temporais, é uma exibição que percorre a história mineira ao longo de cinco séculos, as origens e o desenvolvimento da cidade, mas também uma importante amostra de rendas (a ocupação das mulheres dos mineiros, já nos finais do século XVII, que conduziu à abertura da primeira loja em Idrija, em 1860), uma réplica de uma casa típica de um mineiro no início do século passado e espaços que perpetuam as memórias do escritor France Bevk e do político Aleš Bebler, bem como uma colecção de quadros oferecidos ao museu pela galerista Valentina Orsini Mazza.
Ao longo do ano, são várias as manifestações culturais que têm o castelo como cenário, incluindo concertos e conferências, mas se a sua visita não coincidir com algum evento não perca a oportunidade de visitar, a curta distância, a maior roda de madeira da Europa (com 13, 6 m de diâmetro), que servia para bombear a água e esteve em funcionamento entre 1790 e 1948, de caminhar ao longo do canal Rake, de admirar o bonito lago Divje e, escondida no meio da floresta nos limites do planalto de Vojsko, a pouco mais de uma dezena de quilómetros de Idrija, a tipografia (bem preservada) onde era impresso o único jornal da Resistência em toda a Europa durante a II Guerra Mundial.
Predjama
A rocha forma um arco irregular, a pedra está despida, mas logo mais acima, veste-se com o verde das árvores que trepam na presunção de se juntarem à abóbada por onde caminham alguns fiapos de nuvens. Sob o arco e, como uma língua saindo de uma boca, o castelo, com janelas de diferentes tamanhos, é banhado pelos raios do sol, confirmando, como tentam convencer muitos dos guias e panfletos turísticos, que é uma das mais belas jóias deste pequeno tesouro chamado Eslovénia.
Predjama, com o seu castelo parcialmente engolido pela garganta de uma gruta, impressiona ao primeiro impacto e, com a estética do seu conjunto arquitectónico, convida os visitantes a não reprimirem uma manifestação de espanto perante o cenário que lhes é dado a ver, num lugar improvável - um desafio da natureza à mão do homem. De desafios também gostava o barão Erazem Lueger, um Robin dos Bosques da Eslovénia do século XV que, como o herói de Nottingham, assaltava os ricos para dar aos pobres, transformando-se, também ele, num mito popular.
Vivendo por ali, escondido, por vezes era obrigado a confrontar-se com o assédio de soldados inimigos e, familiarizado com todos os caminhos, insinuava-se por um passadiço secreto escavado na montanha (pode ser visitado) para se abastecer dos víveres de que necessitava para a sua rotina – e logo os exibia, com arrogância, do alto daqueles muros mais próximos do céu, desprezando o cerco de tropas pouco ou nada conhecedoras daqueles terrenos tão elevados, dominados, há mais de 700 anos, pelo castelo tão bem preservado que no seu interior nos oferece uma visão de como era a vida em tempos ancestrais, com os seus espaços residenciais, a sua capela, os seus calabouços, as suas pinturas antigas.
Maribor
Deixo as águas calmas do Drava para trás e arrasto os meus passos pela Svetozarevska ulica até desaguar na trg Svobode, deserta como as duas praças vizinhas, a Grajski trg e a tgr Generala Maistra, na véspera vibrantes, plenas de vida, conferindo charme àquela que é a segunda maior cidade da Eslovénia. Próximo de qualquer uma delas, bem no coração de Maribor, ergue-se o castelo, um dos mais magnificentes monumentos arquitectónicos numa urbe fortemente bombardeada pelos Aliados durante a II Guerra Mundial, provocando a destruição total ou parcial de quase 50 por cento dos seus edifícios.
Face à sua localização, o castelo, levantado entre 1478 e 1483, sob as ordens do Imperador Friedrich III, com o propósito de fortificar a parte nordeste da cidade muralhada, é o lugar de referência de Maribor. A parte mais antiga preserva, em alguns dos seus recantos, a sua aparência original, a despeito das inúmeras renovações e ampliações que foram alterando os seus traços puramente góticos.
Como consequência do cerco turco, em 1532, foi florescendo a ideia de dotar a estrutura de maior capacidade de defesa, conforme atesta a construção do bastião que decora a fachada do castelo e cujas obras tiveram a supervisão do conceituado arquitecto italiano Domenico dell'Allio; mais tarde, já na segunda metade do século XVI, foi construída uma capela que é uma cópia da basílica da Santa Casa de Loreto, um acréscimo que transmite ao castelo ainda maior proeminência, da mesma forma que os diferentes e nobres inquilinos lhe proporcionaram maior riqueza arquitectónica: a escadaria Rococó no seu interior, os brasões que embelezam as entradas abobadadas e o salão principal, com o seu mobiliário e quadros, bem como o tecto com pinturas que retratam uma batalha entre tropas cristãs e turcas, da autoria de Johann Gebler.
Maribor sempre atraiu figuras mediáticas e nenhuma delas se mostrou indiferente à elegância do castelo – em 1782, o Papa Pio VI aqui rezou uma missa, a caminho de um encontro com o Imperador Joseph II. Também Hitler, de visita à cidade, discursou neste cenário, pronunciando uma frase que muitos eslovenos ainda hoje escutam da boca dos seus familiares: “Tornem este país alemão outra vez”.
Ptuj
A colina onde está situado o castelo de Ptuj sempre foi apreciada, em tempos pré-históricos e no tempo dos romanos. Pela sua localização estratégica, também atraiu de imediato os senhores feudais. Não se sabe se foi no século IX ou X, mas num deles já existia um castelo do qual se podia obter uma panorâmica sobre o que é hoje a cidade rasgada pelas águas do rio Drava. Desse tempo, não resta mais do que uma torre, mas no século XII, temendo os ataques húngaros e quando Ptuj fazia parte da arquidiocese de Salzburgo, o arcebispo Konrad, daquela cidade austríaca, ordenou a construção de um novo castelo, depois restaurado, durante o Renascimento e no período Barroco.
Como acontece em muitos outros casos, o castelo de Ptuj foi convertido num museu e oferece, a quem o visita, múltiplas atracções, tanto nos seus pisos térreos (instrumentos musicais usados por abastados nobres) como no primeiro andar, onde se encontram os espaços mais elegantes, contemplando mostras (mobília, quadros, objectos do dia a dia) que vão da segunda metade do século XVI à segunda metade do século XIX, enquanto no segundo piso se traça um pouco da história do (famoso) Carnaval por estas redondezas, com uma exibição de trajes e máscaras.
Celje
Quando, no século XVII, o telhado se abateu, anunciando uma (quase) inevitável decadência, poucos terão meditado sobre a história que encerrava o castelo, posicionado no dorso de uma colina. Construído no século XII pelos condes de Vovberg, donos e senhores de Celje (até à sua extinção, em 1322) e das terras à volta, o castelo, depois de muitas batalhas que se prolongaram por um decénio, ficou na posse dos seus herdeiros, os lordes de Zovnek, mais tarde os condes de Celje, uma família ambiciosa e plena de sucesso, influente e poderosa, hábil na política e em materializar casamentos especulativos e, ao mesmo tempo, envolta numa aura de heroísmo – são célebres as histórias de Herman II, salvando Sigismundo de Luxemburgo de uma morte certa na batalha contra os turcos em Nikopolje, no final do século XIV, e o duelo que travou (e venceu) no Lago Constança, como o duque (e mais tarde também imperador) Friedrich.
Nas suas diferentes etapas, ao longo das quais conheceu outros tantos proprietários – quando já nem um único descendente dos condes de Celje restava -, o castelo, com os seus triplos muros defensivos, viveu sempre sob a ameaça de uma ruína total e serviu, inclusive, como pedreira em 1755. Quase cem anos mais tarde, iniciaram-se as obras de recuperação dos seus muros e das ruínas começaram a despertar, vagarosamente (nenhuma outra estrutura em todo o país requereu tanto tempo para ser reabilitada), os traços da grandeza que o caracterizaram, se bem que o interior pouco ou nada mostra das suas origens, o que não impede de ser considerado como o mais importante e o maior castelo medieval em todo o país, com toda a sua multiplicidade de estilos que vão do Gótico ao Românico e ao Renascentista.
Žužemberk
O rio Krka corre silencioso e na margem esquerda, mal ergo o olhar, avisto o castelo projectando-se, como uma varanda, sobre a pequena cidade que é também município dos Alpes Dináricos. Os romanos construíram uma estrada que passava pela região, Žužemberk aparece pela primeira vez reportada em documentos em 1246 mas admite-se que a existência do castelo é bem mais antiga, recuando ao ano 1000 – e à volta dele foi crescendo a localidade, em tempos remotos habitada por camponeses e artesãos.
Pouco depois do primeiro quarto do século XVI, o castelo adquiriu uma nova forma, com a suas sete torres defensivas que lhe conferiram mais poder e o tornaram apetecível entre a nobreza, ao ponto de não tardar a ser adquirido pela família Auersperg – Janez Vajkard I Auesperg, tutor do Imperador Ferdinand III, foi um dos seus proprietários. Na mira de constantes ataques (alguns soldados, mortos durante as lutas, foram lançados nas florestas próximas para serem devorados por animais selvagens), o castelo nunca chegou a ser verdadeiramente destruído, nem durante a II Guerra Mundial (ao contrário da pequena igreja), quando se tornou uma fortaleza das tropas italianas e esteve sob fogo constante dos Aliados (começou a ser restaurado em 1960 e acolhe actualmente eventos turísticos e culturais).
Bogenšperk
Os castelos surgem nos lugares mais insuspeitos e conferem uma identidade própria ao país. Enquanto isso, estou cada vez mais próximo de Ljubljana.
Como um rio aproximando-se do leito, deixo-me conduzir sem pressas. Passo Litija e não tardo a chegar a Dvor, uma pequena povoação onde também não falta um castelo, cuja data de construção é desconhecida mas que está fortemente associado ao historiador Janez Vajkard Valvasor. No castelo, adquirido após ter contraído matrimónio, este polítama gastou quase toda a sua fortuna para ver publicados os seus livros (o mais famoso dos quais é A Glória do Ducado de Carniola, publicado em 1689 em 15 tomos, com um total de mais de três mil páginas e mais de 500 ilustrações), criando uma oficina onde podia escrever, desenhar e imprimir os seus trabalhos - e com tão pouco sentido de negócio que não tardou a ver-se obrigado a vender todo o seu espólio (livros e pinturas) e o próprio conjunto que tratara de remodelar, com a construção de uma adega nas caves e de uma capela dedicada à Virgem Santíssima.
Hoje, a antiga e rica biblioteca de Janez Vajkard Valvasor não acolhe livros mas casamentos (o local é muito popular entre os eslovenos) mas o castelo permanece como um bom exemplo do estilo Renascentista, com as suas quatro torres, duas rectangulares e duas cilíndricas, com os seus brasões nas fachadas, uma bonita varanda de madeira e uma nova capela (desde 1991) no piso térreo.
No exterior, sob uma luz agora impiedosa, a sensação de quietude é inigualável. Olhando Dvor, desde a crista, tenho dificuldade em apontar um dos poucos mais de cem habitantes errando por este território órfão de ruídos. Mas não de um castelo.
Ljubljana
O funicular sobe, os olhares dos turistas parecem perdidos, procurando absorver tudo o que lhes é dado a ver. Eu prefiro caminhar, são pouco mais de dez minutos desde a praça Grojni onde fui observando, pausadamente, as casas medievais; o verde acompanha-me, dá um abraço ao castelo e, uma vez no cimo da colina, atiro os olhos para baixo, para os campanários que sobem no céu, para a ponte tripla, para uma cidade bem desenhada. Mais do que o castelo, é a paisagem no sopé, com os seus tons coloridos, atravessada pelo rio Ljubljanica, que incita à ascensão ao topo.
Há evidências que provam que o lugar onde agora se situa o castelo já era habitado no século XII a.C. - e a primeira fortificação de dimensões razoáveis aqui construída remete para os tempos dos ilírios e dos celtas, admitindo-se, de igual forma, que também os romanos tiveram a sua fortaleza na colina.
Uma primeira menção à existência de um castelo medieval data do século XII (entre 1112 e 1125), tendo como proprietários a família Spannheim, que cunhava a sua própria moeda em Ljubljana. Mais tarde pertença dos Habsburgos e centro da província de Carniola, a estrutura teve diversas funções ao longo dos anos (quartel militar, prisão, entre outras) mas, à excepção das paredes exteriores da capela de São Jorge, consagrada em 1489, a maior parte dos edifícios do actual castelo foram construídos e reconstruídos entre os séculos XVI e XVII.
De 1848 é a razgledni stolp, a torre de onde eram disparados os canhões em caso de incêndio ou para anunciar a visita de alguém importante ou de eventos. Hoje, o castelo é palco de manifestações culturais, um dos lugares mais pitorescos da capital eslovena e dos que mais turistas atraem. Como Fritz von Baumann, um engenheiro natural do Liechtenstein mas a viver em Itália.
- Imagino como seria viver aqui, desfrutar desta panorâmica sobre a cidade, com os seus espaços verdes, caminhar ao encontro dela por um trilho e desfrutar das fragrâncias que chegam das árvores. Mas, ainda assim, gosto mais do castelo de Bled, recordo com uma certa melancolia a noite em que, na companhia dos meus pais, o visitei, o céu azul, a lua e as estrelas reflectindo-se no lago, como num espelho.
Se a vida é feita de viagens, as viagens são feitas de memórias e eu recupero uma, do menino de fartos caracóis caindo como cachos sobre os ombros, de mão dada com a mãe, imaginando que, sobre aquele lago povoado de pletnas, no topo da colina, habita uma bruxa.
- Conta outra vez.
GUIA PRÁTICO
Como ir
Como não há ligações directas entre Lisboa e Ljubljana, a opção mais prática passa por fazer uma escala na Suíça, na Áustria ou na Alemanha, devendo, para tanto, consultar as tarifas (entre os 280 e os 400 euros) mais convenientes junto de companhias aéreas como a Lufthansa, a Austrain Airlines, a Swiss, a TAP, a Croatia Airlines e a Adria Airways. Zagreb, desde que obtenha um preço em conta, pode constituir a melhor alternativa, uma vez que está situada a escassos 140 quilómetros da capital eslovena.
Para visitar os castelos e percorrer o país, é conveniente alugar um carro – em Ljubljana ou em Zagreb (para circular pelas auto-estradas eslovenas terá de adquirir uma vinheta), já que ambas estão bem servidas de transportes públicos. De autocarro, num percurso que se completa em pouco mais de duas horas, há mais de uma dezena de serviços por dia entre as duas cidades, com preços que variam entre os quatro e os 11 euros (ida). Também é possível fazer a viagem de comboio, num trajecto de duas horas e vinte minutos e uma tarifa de 14 euros (22 se comprar ida e volta).
Quando ir
O país, sendo pequeno, goza de três tipos de climas: a estreita faixa costeira beneficia de um clima mediterrânico, nas zonas mais montanhosas é tipicamente alpino e na área restante, que inclui a capital, Ljubljana, é continental, caracterizando-se este último por verões quentes e invernos frios. Em teoria, a Eslovénia pode ser visitada em qualquer altura do ano mas é importante ter em conta que as maiores precipitações ocorrem nos meses de Verão e de Outono (nos Alpes eslovenos são mais abundantes), enquanto os meses mais secos são, por norma, os de Janeiro, Fevereiro e Março. As áreas mais montanhosas recebem neve ao longo de três/quatro meses e, caso pretenda viajar fora desta estação (não menos encantadora), o ideal será fazê-lo entre Maio e meados de Outubro, altura em que as temperaturas médias andam à volta dos 20 graus.
Informações
Para visitar o país, os cidadãos portugueses apenas necessitam de apresentar um documento de identificação (passaporte, cartão de cidadão ou bilhete de identidade).
Muitos dos castelos situam-se próximos de Ljubljana mas não será má ideia passar uns dias em Bled e em Maribor – em qualquer um deles não terá problemas em encontrar restaurantes e hotéis.
O esloveno é, desde a independência da antiga Jugoslávia, a língua oficial do país - mas uma grande parte da população domina o inglês, o alemão e o italiano.
A moeda é o euro.
Fonte: Fugas
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