terça-feira, 26 de março de 2019

Quinhamel, Guiné-Bissau - relato da Raquel 2

A Guiné-Bissau não está globalizada.
As grandes marcas não têm muito interesse neste pequeno país esquecido.
Embora seja um dos países mais pobres do mundo, há muita agricultura de subsistência e não se vê fome a olho nu.
Não há pedintes, nem sequer os pedintes do turista. E o turista é olhado sem alarido. 
As caras demoram a sorrir. Às vezes saem de uma espécie de estupor, outras não. As saudações também. Pode haver uns minutos de silêncio que nos parece embaraçoso e as vezes só nos respondem ao cumprimento quando estamos de saída. 
Há animais de criação em todo o lado, até nos jardins de vivendas da capital. 

Photo by Raquel Ribeiro

A capital é uma aldeia maltratada com apenas 2 ou 3 avenidas alcatroadas e o resto das ruas em terra batida. Em dias da semana tem um trânsito estúpido para a pequenez do país. 
Já sabemos da pobreza. Mas a sujidade nunca tem desculpa. Bissau é de uma feiura suja que deprime, tanto mais porque não tem a desculpa populacional de cidades indianas, por exemplo. É um esquecimento, uma distracção, um não faz mal, que a ninguém importa a não ser ao europeu confrangido.
O interior e as ilhas são menos sujos.
Depois de uns dias desligados do mundo moderno no Arquipélago das Bijagós, na muito tranquila ilha de Orango, onde fizemos visitas a tabancas (aldeias), passeios nos mangais e caminhadas na savana para avistamento de hipopótamos (que não quiseram aparecer), sempre acolitados pelo serviço franco e amável do hotel simples mas agradável ao nosso modo de ser, mudamos para a ilha de Rubane, onde estivemos num empreendimento francês, com um nível de comodidades mais consentâneo com o europeu que busca o resort, mas onde tudo é mais frio no aspecto humano. A gerência é assegurada por uma fauna luso-francesa com aquele tipo de gente esquisita que às vezes se encontra pelas Áfricas. Os locais-locais (não os senegaleses de importação) são amáveis. 
As infraestruturas são muito depauperadas, mas como o país é pequeno e plano, nota-se menos do que se houvesse exigências orográficas. O maior desafio de transporte é o barco que nunca, nunca é confortável nem perto disso. É o que é. 
Estamos na estação seca e há um pó opressivo que ressuma a abandono e a mau agoiro. Excepto nas ilhas, o mar seja louvado. E há abutres por todo, todo o lado.


Photo by Raquel Ribeiro 

Felizmente junto à costa há também muitas garças, tecelões, e uma riqueza de outras aves. É vê-las mergulhar com uma eficácia elegante em mares onde os peixes borbulham, literalmente, saltando como na canção, no que parece ser só uma alegria absurda. É um mar que ferve de peixe, encrespando as águas aquecidas da maré baixa. 
Há frutos que nunca vimos ou nunca usámos: cabaceira (frutos do embondeiro), bissop, veludo (frutos silvestres), a flor do caju (que se separa da castanha, se come fresca e é doce e aquosa).
A riqueza económica do país é o caju, e só o caju. Podia ser o peixe, o sol, o mar, o turismo, mas é só, só, o caju. 
Em nenhum outro país vi tão obstinadamente cultivada a prática da autossuficiência sem vontade aparente de ter excedentes, de criar riqueza e de desenvolver ambições, seja na agricultura, no artesanato ou noutras manifestações. 
Se a riqueza económica do país é o caju, a sua riqueza cultural é dos espíritos. Aqui vive-se de animismo, mau grado o esforço barulhento dos evangélicos e a presença cerrada e patética de outros missionários que não desistem da sua tentativa de transformação do que não pediu para ser transformado. 
Pode passar-se horas a ouvir lendas, histórias, ritos e personagens destas crenças, tão arreigadas como se os séculos passados tivessem sido acasos.
Aqui a noção de tempo é violentamente estacada na sua irrelevância.

Photo by Raquel Ribeiro 

Coincidiram o Carnaval e as eleições,  num contraste pungente entre o bonito e orgulhoso espectáculo proporcionado pelo primeiro, com os seus desfiles etnográficos arrebatadores, onde desfilantes extravasavam energia em danças e trajes fogosos, e o multipartidarismo oco e esbanjador das segundas, cujo propósito é tão ininteligível como triste.
Não acho que a Guiné Bissau tenha solução, mas é possível que tenha regresso. 

sexta-feira, 22 de março de 2019

Quinhamel, Guiné-Bissau - relato da Raquel

Photo by Raquel Ribeiro 

Africa é mais estranha em cada canto, não adianta quanto achas que sabes.
Esta é seca. O ar é seco. O pó esvoaça. O céu é baço. Essa opacidade doentia quebra as referências da verdura opulenta ou do céu redondamente azul de outras vivências. 
Mas as vozes, os gritos, as músicas e os mercados são indefectíveis. 
Das janelas dos quartos há missas, pregações, políticas e batuques.
As lendas podem ser variadas, os petiscos surpreendentes, mas o gregarismo indolente de borda de estrada, o desleixo, o lixo, o langor primário dos corpos, a esperança a mais, os politeismos antigos e modernos, são desesperantemente contínuos em todo o continente para quem tiver impaciência fazedora.


Photo by Raquel Ribeiro 

A Mariana é uma romena de ascendência húngara e alemã que se apaixonou por um guineense que estudava no Leste comunista. Aos 23 anos veio viver para a Guiné e teve 4 filhos. Fala um português escorreito e quer morrer em Portugal. Fundou ONG, abriu hotéis, trabalhou no governo. Fala crioulo e não tem medo de ninguém. É graças à sua história admirável que conhecemos o país à luz dos seus projectos. É um Turismo muito diferente de qualquer outro. Há as lendas dos panos, das esteiras, da olaria, das cerimónias. Ela é etnografa. E nós somos aprendizes. 
Com ela trabalha a Ana, uma bióloga espanhola que é quem lhe trata do Marketing, e bem.
Ambas são muito afectuosas.

terça-feira, 19 de março de 2019

Os melhores riads em Marraquexe


Filipe Mourato Gomes, no blog Alma de Viajante, diz os melhores sítios para ficar dentro da medina em Marraquexe.

O terraço do riad Farhan, no coração da medina – o lugar ideal para procurar um riad em Marraquexe ©DR



Para quem procura onde ficar em Marraquexe, a resposta é quase sempre unânime: num riad dentro da medina. É a forma perfeita para desfrutar da cidade, seja sozinho, em família ou a dois. O difícil é saber quais os melhores riads de Marraquexe, com conforto, boa localização e preço aceitável.
A esse propósito, note que raramente os riads são os hotéis mais baratos de Marraquexe; mas com toda a certeza acrescentam beleza e carisma à sua estadia. Para mim, não há outra escolha melhor para dormir em Marraquexe.
Antes de apresentar os melhores riads de Marraquexe, deixe-me apenas esclarecer o conceito de riad.

O que é um riad?
Um riad é uma casa (ou palacete) tradicional edificada no velho centro das cidades (as medinas). Os riads são normalmente fechados para o exterior e estruturados em torno de um pátio central interior, por vezes ajardinado e com uma fonte de água.

Nas últimas décadas, muitos deles foram sendo renovados e adaptados para o turismo, e hoje em dia proporcionam as melhores experiências de alojamento nas cidades históricas de Marrocos. É o que acontece no caso dos riads de Marraquexe, em que há muitos bons e baratos – que oferecem, por isso, excelente relação qualidade/preço.

A questão é como escolher um bom riad na medina de Marraquexe? Quais os hotéis tradicionais mais recomendáveis? Em que área da medina?
Pois bem, no rescaldo de mais uma viagem à capital turística de Marrocos, fui investigar, perguntei a quem conhece muito bem a cidade e fiz uma seleção dos melhores riads de Marraquexe. Podem não ser os mais baratos, mas são seguros, têm caráter, carisma, um ambiente tradicional mas com conforto, e, em alguns casos, pequenos luxos que tornam a estadia num riad de Marraquexe uma experiência única. Vamos a isso.

Riads em Marraquexe (onde ficar)

#1 Riad Les Nuits de Marrakech
Localizado muito perto da icónica Praça Djemaa el-Fna, o Riad Les Nuits de Marrakech apresenta uma decoração de estilo tradicional marroquino, piscina e um terraço com zona de estar e vista para a medina. É sem qualquer dúvida um dos melhores riads de Marraquexe (9,9 no booking). 

#2 Gem Riad
Provavelmente um dos mais bonitos e tradicionais riads de Marraquexe o Gem Riad fica no coração da medina, perto dos souks e da Praça Djemaa el-Fna. Os hóspedes elogiam a localização e a simpatia dos funcionários (tem 9,9 no booking). É muito recomendado para casais. 

#3 Riad Farhan
Porventura menos exuberante mas igualmente fantástico, o Riad Farhan tem um terraço com vista para a medina e uma piscina interior, perfeita para relaxar após explorar Marraquexe. É um riad mais barato, apesar da qualidade (tem 9,2 no booking); e oferece excelente relação custo/benefício. 

#4 Riad Dar Anika
Sumptuoso com um terraço acolhedor, o Riad Dar Anika é uma das escolhas mais exclusivas para ficar em Marraquexe. Tem 9,6 no booking e um preço um pouco salgado, mas é fantástico! 

#5 Riad Alili
Muitas vezes esgotado com meses de antecedência, o Riad Alili é um dos mais emblemáticos hotéis de Marraquexe. Para além das instalações imaculadas, o riad tem a particularidade de emprestar um telemóvel aos hóspedes, para usar em caso de necessidade (9,9 no booking).

#6 Riad le Clos des Arts
Luxuoso e imponente, o Riad le Clos des Arts é um pouco mais caro que boa parte dos riads de Marraquexe. Destinado a um público mais exigente, tem 9,8 no booking e um serviço de excelência. Fica, naturalmente, bem localizado dentro da medina. 

#7 Riad El Fenn
O El Fenn é uma combinação curiosa entre hipster e tradição, com uma decoração belíssima, superlativo bom gosto e um ambiente incrivelmente acolhedor. É um dos mais bonitos riadsde Marraquexe; e absolutamente recomendável (9,2 no booking). 

#8 Riad Jnane d’Ô
A arte de bem receber de Jacqueline é o denominador comum nos elogios dos hóspedes ao Riad Jnane d’Ô, um hotel elegante, tranquilo e tradicional. Os 9,7 no booking não enganam: é outro dos melhores riads de Marraquexe, e que recomendo vivamente. 

#9 Riad Dar Daoud
Para quem procura um riad barato em Marraquexe, o Dar Daoud pode muito bem ser a solução perfeita. Simples, tradicional e sem grandes luxos, é um hotel perfeito para gente descolada, para usar uma expressão brasileira que muito aprecio. Tem uns incríveis 9,5 no booking. 

#10 Riad Alwachma
Absolutamente extraordinário e não demasiado caro, o Riad Alwachma destaca-se pela elegância do espaço, sem esquecer o terraço com jacuzzi para recuperar energias (9,5 no booking).

#11 Riad Be Marrakech
Uma das coqueluches no Instagram, os quartos do Riad Be Marrakech são alegres e coloridos, e todo o espaço emana boa energia. Não é um riad de luxo e costuma esgotar com alguma antecedência (9,1 no booking).

#12 Riad Dar Akal
Um riad tradicional a cerca de 10 minutos a pé da Praça Djemaa el-Fna, o Dar Akal é um espaço tradicional e confortável, embora sem luxos desnecessários. Um dos meus riads preferidos em Marraquexe (9,6 no booking).


Fonte: Alma de viajante | Veja o artigo completo aqui.

terça-feira, 12 de março de 2019

A viagem da Raquel em Moçambique - parte 4



Photo by Raquel Ribeiro

No Ibo, quando não canta o muezzin, cantam as cigarras e até as estrelas, prazenteiras com a brisa levezinha.

O quarto é despojado e fresco, com um mobiliário prodigiosamente antigo, cheio de classe e nenhum peso visual ou cinético, apesar da sua imponência histórica.

Photo by Raquel Ribeiro

Viemos por portugueses para portugueses. Séculos depois do Vasco chegaram o Zé e companhia, e com o mesmo pragmatismo fizeram coisas (o que não é de somenos nestas terras de existências e materiais caducos) e fizeram-nas bonitas.

Photo by Raquel Ribeiro

É por ser melhor (mesmo que apenas por instantes) do que estar em casa, sem estar longe da sua alma, que cá estamos, entre os mangais que ainda se viram para a Índia na hora da sua oração.

No Ibo ficámos no carismático Ulani Lodge, gerido pela Paula e pelo Zé, que são dos anfitriões que recordo com mais carinho por esse mundo fora.

Photo by Raquel Ribeiro

terça-feira, 5 de março de 2019

A viagem da Raquel a Moçambique - parte 3

Eu podia dizer algo diferente só porque é Natal e não quero incomodar.

Mas a verdade é que isto é maravilhoso, tudo, toda a possibilidade de vivê-lo sem qualquer lastro nem encenação.
E nem acredito conseguir dizer que viajar ainda me surpreende, que Moçambique é dos 5 sítios mais lindos onde já estive (e não fiz o resto do ranking, atirei só o palpite, se calhar é um dos 3 ou 2) e que me sinto absolutamente feliz aqui.

Eu vim cheia de raiva e cansada de pessoas, achava que só queria estar sozinha, em silêncio.

E hoje passei a tarde na praia do Tofo com todos os domingueiros em redor, todos os pretos de todas as cores, que os pretos têm cores variadas, e saltei nas ondas com a minha mãe pela mão e o meu pai a perder os calções a cada mergulho e, porra, que bem que estavam ali os pretos a serem alegres pela humanidade macambuzia toda, e que bem que me soube poder partilhar disso.

Photo by Raquel Ribeiro

Eu que estava insensível às bugigangas étnicas, que só associava ao hedonismo de as levar para casa e poder bufar, de pequena-burguesia, que já não tenho espaço, que a bagagem na TAP é cara e outras cretinices de quem goza com os pobres, achando genuinamente ser só uma remediadazinha, sangro em silêncio por cada par de olhos que me mostrou a sua arte (tão mais bonita e valiosa do que 2/3 das inutilidades com as quais gastei o dinheiro que agora digo que não tenho, lá na enfadada Europa) e a quem digo mentiras como "não quero" ou "não posso".

 Photo by Raquel Ribeiro


Quem faz arte assim merecia mais do que ser despachado pelo turista, que ainda traz as suas futilidades agarradas à maldita brancura da pele e ao daltonismo da sua triste escala de valores.

Moçambique não está "todo destruído", não, "eles" não deram "cabo disto tudo", nem têm "ódio ao tuga", aliás, eles nem sabem de que país vimos quando falamos português com eles. Não há violência, nem sequer se tranca as portas das casas e dos hotéis. A limpeza das ruas, das aldeias e das roupas das pessoas faz da Lisboa contemporânea, por comparação, um esterco. E a liberdade de opinião é reprimida pelos mandantes do seu próprio sangue, mas eles têm a coragem de falar sobre tudo connosco.

Photo by Raquel Ribeiro

Ter tido uma guerra com este país foi de um profundo mau gosto e tê-lo abandonado aos chupistas que os governam, a pretexto de uma falsa liberdade, ainda é um crime.

Serei melhor depois de vir aqui.