quinta-feira, 18 de maio de 2017

Laos: a floresta canta mais alto que a modernidade

À noite, Huay Xay não tem vivalma nas ruas. Com o raiar do dia, vê-se que a cultura local foi invadida pela modernidade de um turismo recente. A modernidade procura conciliar-se com a flora e fauna locais e oferecer aos turistas mais aventureiros a oportunidade de fazer trekking na floresta, percorrer longas distâncias de zipline e dormir numa cabana a mais de 40 metros de altura.

Fonte: Fugas - PÚBLICO



Huay Xay é uma pequena cidade nas margens do rio Mekong – que separa, naturalmente, o Laos da vizinha Tailândia. Para quem chega de noite, parece saída de um filme de cowboys, mergulhada na escuridão, sem vivalma nas ruas. Com o raiar do dia, emergem cores pardacentas, próprias de algumas construções inacabadas que enchem a rua principal, onde famílias inteiras moram em casas amontoadas num prédio sem fachada. Não é preciso ser o big brother para espreitar a rotina daquelas pessoas: está ali, aos olhos de quem passa.

A cultura local foi invadida pela modernidade de um turismo recente – o que resulta numa mescla algo confusa de pequenos restaurantes tradicionais com modernos cafés, que oferecem brunch aos turistas pelo preço de um almoço na Europa.

As cabanas apelam ao imaginário da infância: com raízes de Tom Sawyer polvilhadas de alguma modernidade. A maior tem três pisos. No inferior, está uma casa de banho com os utensílios essenciais: tem uma cortina a fazer de porta e, do outro lado, é aberta para a paisagem da floresta. Sob os pés, estão tábuas de madeira, com aparência sólida e com frinchas que permitem olhar até perder de vista - afinal, são 40 metros de altitude, o equivalente a um prédio com 12 andares. O chuveiro é de água fria, mas abundante. Quando cai, nas tábuas de madeira, escorre entre as frinchas e vai desaguar sobre o vazio. O ruído, exacerbado pelo silêncio da floresta, assemelha-se a uma daquelas chuvadas que antecedem a tempestade.

O piso intermédio é o mais amplo da casa. De um lado, tem um balcão, a servir de kitchenette, com água potável, e um armário com pratos, copos e talheres. Do outro, um espaço aberto que serve para dormir, em sacos-cama abrigados por pequenas tendas, e fazer as refeições, numa pequena mesa, quase ao nível do chão, ao estilo asiático.

O último piso não é – como reza a fama – o melhor. De dimensões muito reduzidas, cabem, apenas, um ou dois sacos-cama no chão. Mas é o ideal para quem gosta de ter uma boa vista.



O “canto” dos gibões

O dia está a raiar e ainda não há movimento na cabana. Um ruído, que se ouvia, ao fundo, parece ficar mais alto, mais próximo. É ritmado, quase melodioso. Talvez a embriaguez do sono confunda as ideias, talvez a falta de noção de tempo e de espaço, ali na floresta, permita que a realidade se confunda com o imaginário. Mas os viajantes poderiam jurar que ouvem… cantar. Não é uma voz humana. Não há voz, sequer. Não são trinados nem assobios como os das aves… É algo indescritivelmente bonito. Os primeiros olhos a abrir, na cabana, procuram descortinar a origem daquele som, no meio de um nevoeiro denso. De súbito, alguém sussurra: “São os gibões! Estão perto da nossa árvore! Estão a cantar.” Todas as cabeças espreitam por detrás das tendas, alguns ainda embrulhados nos sacos-cama para se protegerem da geada matinal. O grupo troca olhares cúmplices e, até, emocionados. É uma experiência única na vida. 

No Laos, não existe linha férrea e alguns aeroportos têm um funcionamento irregular. Para fazer a viagem entre Huay Xay e Luang Prabang, uma das hipóteses é ir de barco: speed boat ou slow boat. O speed boat é uma espécie de lancha, ruidosa, que atinge velocidades elevadas e pouco aconselhada aos turistas por causa das escassas condições de segurança. O slow boat é, como diz o nome, um barco lento que demora dois dias a fazer o trajecto – adequado a quem tem esse tempo disponível e vontade para desfrutar do passeio. A terceira opção é ir de autocarro: uma viagem nocturna de cerca de oito horas. À partida, parece a alternativa mais viável e confortável, mas as recomendações sobre as estradas, no Laos, não são as melhores: sinuosas, com maus acabamentos e pouca iluminação. À primeira vista, o autocarro tem ótimo aspecto: novo, aparentemente seguro, confortável, com bancos que reclinam até à posição de uma cama. Durante a viagem, é difícil dormir. As oscilações são demasiado grandes, embora não se perceba porquê. 

Luang Prabang – a cidade desperta em tons de laranja, a adivinhar mais um dia quente. Já há vida nas ruas: os comerciantes montam a feira e os monges, nas suas vestes açafrão, alinham-se, com pequenas taças na mão, para receber as oferendas dos turistas. Diz a tradição que apenas poderão comer, durante todo o dia, aquilo que lhes for oferecido – tarefa praticamente impossível tendo em conta que as taças se enchem de uma amálgama de arroz com moedas…

Luang Prabang fica no centro de uma região montanhosa, ladeada por dois rios: o Mekong e o Nam Khan. No século XIX, quando o país esteve dividido em três reinos, chegou a ser a capital até perder o estatuto para Vienciana, em 1946. A arquitectura colonial convive com a riqueza dos templos: são grandes, imponentes, dourados, mas fundem-se de tal forma com o resto da cidade que parecem surgir quando menos se espera. Só em Luang Prabang, existem 34 wats – a palavra budista para “templo” – considerados Património Mundial da Humanidade pela UESCO.



Onde o turismo não chega

O silêncio e o ruído coexistem. No alto de um monte, um templo adormecido convida ao retiro e à meditação. Na subida, uma local vende passarinhos em gaiolas para os turistas poderem soltar. Lá de cima, é possível avistar, de um lado, as margens de um dos rios, que corre lânguido; do outro, o frenesim da feira, das crianças que correm para a escola, do trânsito motorizado, que se mistura com carroças carregadas de fruta e verduras.

Luang Prabang é uma cidade grande, que arrisca perder espontaneidade por causa da invasão do turismo. Por todo o lado, existem hotéis, pensões e guest houses – um negócio ao qual muitos habitantes locais aderiram para fazer face ao aumento do custo de vida. Há restaurantes para todos os gostos e cafés ao melhor estilo europeu. As lojas que vendem excursões e souvenirs multiplicam-se. É difícil fugir das propostas para ir tirar fotografias com tigres e elefantes que os guias juram, a pés juntos, serem bem tratados, mas as imagens dos prospectos fazem desconfiar de métodos pouco ortodoxos. Também é possível visitar as cascatas Kuang Si – a cerca de meia hora de distância de tuk tuk, com água cristalina e paisagem verdejante – ou descer um dos rios de caiaque até à gruta Pak Ou – uma espécie de santuário onde estão guardadas cerca de 4000 esculturas de Buda. Pelo caminho – rio abaixo – as margens convidam a atracar o caiaque para fazer uma pausa, dar um mergulho ou apanhar sol. 

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