segunda-feira, 22 de maio de 2017

Um jardim com vista para o Pacífico

É o Parque Nacional Manuel Antonio, fica na Costa Rica, acolhe 400 mil visitantes por ano e abriga um número respeitável de pássaros e de mamíferos, uma densa vegetação e praias de sonho, com areias douradas e águas azuis.

Fonte: Sousa Ribeiro, Fugas - PÚBLICO



Não gosto de visitar um lugar, mesmo que seja um parque natural, com um guia turístico. E nada tenho contra eles, respeito a sua profissão, simplesmente entendo que retiram espontaneidade à minha incursão, que me abstraem do essencial, da serenidade que espero encontrar, mesmo que nada, sem a ajuda de alguém mais familiarizado com o espaço físico e com os sons, se depare à minha frente, nem um único animal, nem uma única ave, tantas árvores cujo nome desconheço e fazem de mim um ignorante.

É mesmo assim.


Mas, ainda fora do Parque Nacional Manuel Antonio, em cuja direcção caminhara desde a aldeia homónima na presunção de que estava tão próximo, passando pela playa Espadilla Norte, aquela que os mais intímos chamam a primeira praia, com as suas areias brancas, simpatizei desde logo com Manuel Cabalceta Méndez, a desfrutar de uma pausa entre as muitas aventuras que o ocupam, dia e noite, palmilhando os trilhos do parque criado já em 1972, a verdadeira jóia do litoral pacífico que abarca dois mil hectares de terra e 55 mil hectares de água.
Hoje em dia, ser guia turístico representa muito mais do que saber dizer macaco em inglês ou em francês. É necessário conhecer a história do país a fundo, a história natural, política, religiosa, a arte, as tradições, a cultura, ser também um chef, porque não raras vezes os turistas me pedem que lhes envie um email com a receita de um bom ceviche ou de um típico gallo pinto.

As palavras de Manuel Cabalceta Méndez martelam no meu cérebro quando, finalmente, os meus passos vão pisando o trilho que, ao fim de alguns metros, me conduz a uma cascata. Percorro o sendero La catarata, não mais de 900 metros, até apreciar a água a cair, não muita, porque a época das chuvas permanece distante e regresso, logo de seguida, ao caminho que todos pisam mal entram no perímetro do parque.  

Uma certa quietude, agora que todos estão mais para a frente, permite-me reflectir sobre o país dos ticos, onde se esconde 6% da biodiversidade mundial, esse território banhado pelas águas do Pacífico e do mar das Caraíbas, um paraíso constituído por bosques tropicais, lagos, vulcões e praias que abrigam espécies vegetais e animais extraordinárias — o Instituto Nacional da Biodiversidade calcula que haverá pelo menos um milhão neste autêntico jardim zoológico tropical claramente abençoado pela natureza.


Emissão zero

Embrenho-me pelo parque Manuel Antonio mas sinto dificuldade em afastar-me da realidade do país, do facto de mais de 25% de uma área total ligeiramente superior a 50 mil km2 (e não mais de 4, 8 milhões de habitantes) ser declarado Reserva Nacional, o que corresponde a uma das mais elevadas percentagens mundiais. Por momentos penso naqueles que, erradamente, buscam na Costa Rica ruínas pré Colombo ou vestígios de cidades coloniais; o património do país é a força da natureza, uma Arca de Noé em todo o seu esplendor — não há, na América Central, outro país que proporcione tantos mimos, com tanto esmero, ao meio ambiente.

Sigo em frente, ao longo do trilho El Perezoso, e a presença de um preguiça, trepando vagarosamente pelo tronco esguio de uma árvore, faz desde logo justiça ao nome; depois desvio-me para o passadiço construído há dois anos, correndo quase paralelo ao trilho e muito mais tranquilo. Por entre a ramagem espessa, avisto um tucano com tonalidades azuis e amarelas — aviso aqueles que se aproximam, como quem desempenha o papel de guia, substituindo Manuel Cabalceta Méndez.

Aqui e acolá penso nele, nas suas palavras sábias.

- Claro que o turista que visita a Costa Rica vem com a intenção de fazer turismo natural, ecotours, actividades de aventura, espairecer. Se quer ver Cadillacs antigos e beber mojitos escolhe Cuba como destino. Há muitos animais, belos e interessantes, na Costa Rica mas mais de 90% dos meus clientes, ao longo das minhas caminhadas guiadas, espera ver um preguiça ou um macaco — são, sem dúvida, independentemente da idade dos turistas, os animais mais populares.

- Temos o turista sério e exigente, que sabe o que quer, o turista descontraído sem grande interesse científico, que apenas quer apreender um pouco da nossa cultura e das nossas tradições, e o turista que simplesmente não sabe em que país está, que nada sabe da geografia mundial ao ponto de me perguntar em que ilha estamos.


Varanda com vista

A Punta Catedral foi, em tempos, uma ilha mas está ligada ao continente por uma estreita faixa que separa duas praias, a Espadilla Sur e a Manuel Antonio. Bem perto destas, está um miradouro que as árvores, com as suas copas altas, pouco deixam ver, a não ser um pássaro ou outro, mais o céu azul — quando desço encontro um macaco que se esconde atrás de uma das vigas de cimento sobre as quais está construída a torre de observação e exibe-se por instantes, em frente a um telemóvel que o eterniza; logo depois, mostra-se indiferente ao interesse dos curiosos, enquanto outros, caminhando sobre o trilho que corre junto à praia, vão lutando em cima da areia que se levanta, motivando mais e mais fotografias.

As ondas do mar chegam arrebatadoras, não há nelas qualquer manifestação dócil, arrastam a areia na sua cavalgada e, para o outro lado, batem com força sobre os rochedos, lançando um lençol de espuma que sobe no ar; caminho, a maior parte das vezes entregue à minha solidão, e avisto ao longe a praia por onde passara, às primeiras horas da manhã, território de surfistas e de alguns casais que se estendiam nas suas camas dispostas sobre as areias, fitando pequenas ilhas recortando-se naquele mar infinitamente azul, aqui e acolá sobrevoadas por pássaros que riscavam o céu. O parque Manuel Antonio tem, na verdade, visitantes a mais, mas tem, da mesma forma, algumas das praias mais bonitas do mundo — difícil é, por vezes, compreender por que designam a Espadilla Sur como a segunda praia, a playa Manuel Antonio como a terceira, a playa Puerto Escondido (a de mais difícil acesso) como a quarta, finalmente, no meio de toda esta confusão, a Playita (mais procurada pela comunidade homossexual, que de há muitos anos a esta parte vê Manuel Antonio como destino de sonho mas também porque a homossexualidade foi descriminalizada na Costa Rica já na década de 1970) como a quinta. São cinco praias, o melhor mesmo é não as contar, como fazem alguns, começando pela Espadilla Sur, o que provoca desde logo um certo desassossego nos seus cérebros, que apenas deviam estar disponíveis para admirar a magnificência de um lugar pouco dado a números.



Quando deixo o trilho principal, hesitando na bifurcação, opto pelo que parte à minha direita, iniciando uma descida pouco íngreme que dentro em breve se abre para o mar, para águas onde não tardo a mergulhar antes de estender a minha toalha sobre areias douradas, testemunhando o clamor das vagas ou simplesmente observando aqueles que, na sua errância pausada, deixam marcas sobre a areia húmida, com um olhar sonhador que me faz adivinhar que provavelmente nunca estiveram em lugares tão bonitos como este que lhes serve de cenário.

Fico feliz por eles. E por mim, pela panorâmica que me é dada a contemplar.

Caminho um pouco mais, quase sempre em silêncio, mas expectante, atento, fitando as árvores que sobem no céu de um azul puro; cruzo-me com um ou outro casal, aqui e ali avisto um animal, detenho-me e incito-os a observarem, mesmo que a minha missão se revele por vezes difícil, até que acabo por seguir o meu trajecto que me leva, daí a pouco tempo, até uma espécie de varanda de onde avisto o mar em toda a sua beleza, ao mesmo tempo que, em baixo,  sob o penhasco que cai na vertical, escuto o rugido das águas, quebrando-se com impaciência contra as rochas, como música para os meus ouvidos que não escutam, daí a pouco, o lento rastejar de um lagarto que, em cima de uma pedra, ao sol, abre a sua boca como alguém que pretende, de uma só vez, abarcar toda a beleza do lugar, como se aquele fosse um momento único, sublime, incapaz de se repetir por muitos anos que a vida, como o mar que continuo a avistar, se perfile no horizonte.

Servindo-me de outro trilho, subindo uma vez ou outra, vendo o sol filtrando-se por entre os ramos das árvores, chego à praia onde os turistas se banham, onde outros se abrigam dos raios fortes do sol, onde alguns, ainda, se divertem observando os macacos que estão mais interessados no conteúdo dos seus sacos do que em serem fotografados ou apreciados nas suas acrobacias — afinal, o mundo é mesmo assim, cada um, consciente ou inconscientemente, faz aquilo que mais lhe interessa. 

Faço o caminho de regresso, quase não há turistas a esta hora, o parque parece-me mais belo do que nunca, entregue a si próprio, à sua beatitude; agora, porque o dia avança, não há animais, nenhum guia me poderia apontar um, talvez me pudesse indicar apenas o nome desta ou daquela árvore, fazer com que levantasse o olhar e lhe agradecesse.

É mesmo assim, pura vida! A TravelTailors já lá esteve com os nossos clientes, que não puderam deixar de recomendar este destino! Veja só o que já preparámos para a Costa Rica



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