segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Novo comboio de alta velocidade liga Hong Kong a muitas cidades na China

O novo comboio de alta velocidade iniciou a sua operação no dia 24 de Setembro 2018 e é, sem dúvida, um meio rápido, confortável e muito conveniente. 

Permite fazer a ligação de comboio entre Hong Kong e a China


Para Guangzhou (Cantão)


A duração desta viagem é de, apenas, 45 minutos desde Hong Kong até ao centro da cidade. Existem 34 comboios a fazer esta travessia diariamente. O bilhete custa desde 60 USD por pessoa por cada viagem.

Para Shenzhen

Existem 66 comboios por dia e cada bilhete custa desde USD 20 por pessoa e por trajecto.

Para Beijing (Pequim)


Este comboio sai de Hong Kong às 08:05 e chega a Beijing às 17:01 do mesmo dia. O preço do bilhete de comboio vai desde USD 220 por pessoa por cada trajecto.

Para Shanghai


Este comboio sai de Hong Kong às 11:10 e chega a Shanghai às 19:27 do mesmo dia. O preço do bilhete de comboio vai desde USD 210 por pessoa e por trajecto.

O mais recente comboio de alta velocidade liga ainda Hong Kong a outras cidades chinesas, tais como:
  • Kunming
  • Fuzhou
  • Xiamen
  • Changsha
  • Wuhan e outras


Os horários e preços estão sujeitos a confirmação e a serem alterados pela “China Railway Corporation”, sem aviso prévio e caso seja necessário.

Acreditamos que este novo meio de transporte vai ajudar a dar “um saltinho” à China à partida de Hong Kong!

Fonte: Transportes e Negócios

Descobrir Copenhaga num fim-de-semana

Viajar ao fim-de-semana para destinos próximos é uma óptima forma de quebrar a rotina e não deixar que se instale a nostalgia até às próximas férias. A Suitcase sugere uma passagem por Copenhaga, numa espécie de roteiro de 3 dias numa das cidades mais tranquilas e bonitas do norte da Europa.

Em Copenhaga, tudo é belo


As ruas, os cafés e restaurantes, a iluminação, a roupa, as pessoas. Tudo respira simplicidade e felicidade. Pelo menos é o que dizem os estudos, que apontam os dinamarqueses como o povo mais feliz do Mundo. É o Hygge, dizem. Nós dizemos que é esta prática do aconchego, do viver a casa entre família e amigos, sempre com um bolo e chávenas de chá fumegantes na mesa.

Uma boa forma de conhecer a cidade é percorrê-la como os locais - de bicicleta


No entanto, é uma cidade plana e pequena, pelo que andar a pé é uma boa alternativa.

6ª feira

Jante no Meatpacking District, Kødbyen. Esta zona desenvolveu a sua oferta de restaurantes e vida noturna, por incentivo da Câmara, que decidiu aproveitar os seus armazéns na área. Pode conhecer o Gorilla, experienciando o menu de 10 pratos de cozinha mediterrânica ou o Cofoco, que explora a cozinha nórdica de nova geração. Encerre a noite no parque de diversões Tivoli. À partida poderá soar um programa desinteressante, mas o Tivoli tem muito para oferecer. Jardins, salas de espetáculo e teatros, com uma série de opções, para todos os interesses.



Photo by Ethan Hu on Unsplash


Sábado

Comece o dia com um café e um bolo de canela, à maneira nórdica. A seguir passeie pela zona do porto, com as suas casinhas coloridas e barcos ancorados, na imagem mais cliché (e imperdível) de Copenhaga. Nesta zona viveram muitos artistas, como Hans Christian Andersen, autor de contos infantis como "O patinho feio" ou "A pequena sereia". Aqui encontra a Royal Danish Playhouse, a mais impressionante sala de espectáculo da cidade, onde decorrem peças de ballet, ópera ou orquestra. Percorra o caminho ao longo do porto até Langelinie, passando pela casa da família real e pela estátua alusiva à Pequena Sereia. Não desanime perante a dimensão da estátua - apesar de pequena, resistiu aos anos, vandalismo e às hordas de turistas, e continua a ser um marco da cidade.


Photo by Nick Karvounis on Unsplash

Passeie pelos jardins botânicos, explorando as suas estufas antigas e o autêntico museu ao ar livre. Perca-se em Torvehallerne, um mercado local labiríntico, que oferece verduras, comida gourmet e café. Pode aproveitar para comer por aqui; há muitas opções por um valor relativamente baixo (para os padrões nórdicos, é claro). Aproveite ainda para conhecer o mais antigo bar da cidade, aberto desde a altura da 1ª Grande Guerra, Bo-bi bar. No entanto, só o faça se o fumo não o incomodar, porque os fumadores aqui são (muito) bem-vindos. Se passar por este detalhe, beba uma cerveja como uma personagem de um filme negro dos anos 50.

Domingo

Em Copenhaga, domingo rima com brunch. The Union Kitchen é uma excelente opção para tal, oferecendo também outras alternativas igualmente deliciosas, acompanhadas de um Bloody Mary.


Photo by Nick Karvounis on Unsplash


Se lhe apetecer sair um pouco da cidade, apanhe o comboio para norte e vá até à costa, onde pode ver a Suécia de longe. A 35 kms da cidade, encontra o Louisiana Museum of Modern Art, o museu de arte moderna com peças de artistas de todo o Mundo. Além do museu em si, oferece um passeio ao longo do seu parque de esculturas, junto à costa, com mais de 60 exemplares. De volta à cidade, visite Freetown Christiania, uma espécie de cidade dentro da cidade. Com leis próprias, é uma comunidade anarquista, onde não é possível, por exemplo, comprar uma casa. Aqui encontra uma diversidade cultural ímpar, com arte urbana, cafés de comida orgânica, bares e eventos de todo o tipo.


Haverá certamente muito mais a fazer em Copenhaga, mas o fim-de-semana é curto


Fica certamente a vontade de voltar, com mais tempo para explorar melhor a cidade da felicidade.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Reviver a viagem de comboio em modo glamour

Viajar de comboio tem uma aura de romance e nostalgia que nenhum outro transporte nos provoca. Pode não ser tão rápido como o avião ou tão flexível como o carro. Mas quando o objectivo é a viagem e não a chegada, isso pouco importa. Por isso hoje, inspirados pela partilha da Suitcase, trazemos seis viagens de comboio a partir de Londres.
Photo by Kane Reinholdtsen on Unsplash

1. Para Fort William no Caledonian Sleeper

Todos os sábados à noite, este comboio parte de Londres em direção às Terras Altas na Escócia. Jante comida inglesa a sério - haggis e tatties (uma espécie de pudim de carne com estufado de batatas) - no vagão-restaurante. A noite passa-se embalada com o movimento do comboio e no aconchego da cama da carruagem. De manhã, o pequeno-almoço é típico inglês, enquanto se assiste à alvorada já em pleno parque natural, enquanto os veados acordam.

2. Para Amsterdão no Eurostar

Duas vezes por dia, este comboio leva os aficcionados pela ferrovia à capital das bicicletas e das tulipas em apenas 3 horas e meia. Aqui pode optar por conhecer novidades da cidade. Como o The Avocado Show, uma ode ao abacate, para os fãs e curiosos.

3. Para Antuérpia

Tem mesmo de ver a estação de comboio considerada por muitos como a mais bonita do Mundo. Esta metrópole reinventou-se e estabeleceu-se como uma capital pujante e moderna. Perca-se nas ruas com estilos de art nouveau e street art misturados. E, claro, não pode faltar uma cerveja bem fresca, ou não fosse a Bélgica o país onde esta bebida custa menos que a água.

4. Para Roma

Roma é sempre uma boa ideia. Esta capital cheia de vida, cheiros e condutores loucos, faz-nos sentir vivos. Perca-se na cidade e na comida, e prove tudo de olhos fechados. E quando achar que já não consegue comer mais nada, é tempo de um gelado.

5. Para Veneza

Esta viagem de 36h precisa de mais do que um fim-de-semana. Mas a ideia não é conhecer Veneza. É mesmo desfrutar da viagem a bordo do Expresso do Oriente, um dos comboios mais luxuoso do Mundo. Quem sabe não vive um enredo digno de Agatha Christie?

6. Para Avignon

Vá até à cidade papal e aproveite a viagem por entre vinhas e colinas verdejantes. À chegada, faça um picnic numa das praças e não deixe de provar a deliciosa sobremesa de chocolate com licor de oregãos. A viagem de volta até vai ser (ainda) mais tranquila. E se gostar mesmo desta experiência, sugerimos The Journey - The fine art of traveling by train, com muitas mais sugestões para sonhar a viajar de comboio. Ou, porque não, inspirar a próxima viagem?

terça-feira, 16 de outubro de 2018

A Raquel foi à Austrália. E conta-nos tudo! - Última parte

A Raquel é uma das viajantes por detrás da TravelTailors. O seu desejo de conhecer o Mundo despertou e nunca mais parou. E é esse desejo que também fez nascer a TravelTailors. Mas isso será uma história para outro dia.

Hoje voltamos a falar da Austrália pelos olhos da Raquel. E com as palavras dela.

Pode ver o que a Raquel andou a fazer na 1ª semana e na 2ª semana.

A última semana na Austrália

Dia 14 - Palm Cove, Floresta tropical
Estamos o mais a norte que iremos nesta viagem (em terra firme). O voo sobre os corais e o mar azul foi deveras bonito, a temperatura da chegada era boa (27ºC), o carro é quase igual ao que o João tem (da mesma marca e modelo), a pequena estância de veraneio onde estamos (Palm Cove) tem a dimensão certa, é muito calminha e o apartamento onde estamos é bastante simpático. É muito interessante ver floresta tropical por todo o lado, mas a temperatura não estar muito alta, não haver humidade nem mosquitos! Os trópicos civilizados têm bastantes vantagens. Haver relvados enormes juncados de cangurus a pastar também tem muita graça! Por outro lado...esteve uma ventania desgraçada (outra vez), a praia que deveria ser paradisíaca passou o dia a tentar competir com as ondas da Nazaré e o mar está turvo de tanta agitação. Para mais, os cartazes no areal dizem que apesar de no Inverno haver menor probabilidade de crocodilos de água salgada e de alforrecas, eles podem aparecer na mesma, pelo que há que ter cautela em querendo ir a banhos. Ora, se esta gente no Verão tem tamanha bicharada e no Inverno tem esta ventania, não é de a pessoa se pôr a suspirar pela Arrábida? Apesar do clima destrambelhado, sentimo-nos de férias, estamos sossegados e saudáveis e vamos gozar estes últimos dias por cá com tal sentimento.




Dia 15 - Port Douglas, Florestas tropicais

Passámos um dia muito bom a descobrir a zona a norte da nossa, com as suas belas praias desertas (com avisos de crocodilos...), o requinte da estância de Port Douglas, as florestas tropicais de Mossman e Daintree, com os seus postos interpretativos e os seus trilhos muito bem preparados.



A temperatura esteve agradável, embora o vento tenha persistido na zona costeira.
Não havendo banhos de mar, houve banhos de clorofila, que foram muito bons. E até comemos a melhor refeição fora de casa em terras australianas, num pub de uma terra remota, que mais parecia um saloon do faroeste. Foi barato, bom, abundante e cheio de vegetais (coisa incrível). E amanhã teremos o nosso último dia completo por cá. Está a ser um bom fecho!



Dia 16 - Mergulho e a despedida



O importante é nunca desistir. E se não há peixes à primeira, há-os à segunda! E se não os há nos maiores recifes fora da costa, há-os numa ilhota pequenina perto da costa: Green Island. E até veio de bónus uma linda tartaruga ao lado da qual estive a nadar uns minutos.



Hoje o vento deu tréguas e aproveitámos logo para rematar a parte marítima da questão australiana.
Foi um dia relaxante e bem passado! Amanhã lá iremos de regresso.



terça-feira, 9 de outubro de 2018

A Raquel foi à Austrália. E conta-nos tudo! - Parte 2

A Raquel há muito que queria ir à Austrália e já começámos a contar a fantástica viagem de descoberta que fez. A Raquel é uma das viajantes por detrás da Travel Tailors. O seu desejo de conhecer o Mundo despertou e nunca mais parou. E é esse desejo que também fez nascer a Travel Tailors. Mas isso será uma história para outro dia.

Hoje voltamos a falar da Austrália pelos olhos da Raquel. E com as palavras dela.

A semana do meio na Austrália

Dia 6 - Cradle Mountain - Freycinet


Para hoje previa-se neve na montanha. Não chegámos a vê-la. Para leste, a paisagem adoçou-se em planícies cultivadas, até Launceston, a capital do Norte (com interesse, ruas antigas e gente sem frio nas ruas onde chovia) e, ao lado, Everton (muito gabada nos guias, não percebemos porquê, mas comemos num pub acolhedor com ar antigo, sendo que os menus de peixe e não só recaem invariavelmente nos fritos). Antes de cair o sol, caminhámos na praia assim que chegámos à baía de Freycinet, apreciando o frio e o sol muito baixo e fulvo que tudo requintava. O resort era fino, mas estava em obras barulhentas que só se calaram depois do pôr-do-sol, a cabine "simples" de madeira tinha presunção mas não tinha vista e, talvez por causa disso também (e do menu com pratos a mais de 30 Euros), fomos comprar mexilhões ao natural e sopas de juntar água a ferver ao supermercado, mais uma tarte de maçã caseira que mereceu todos os elogios que o lojista lhes dirigiu, com um vinho local nada barato mas um nome bonito, e foi este o jantar ao nosso gosto e que nos satisfez perfeitamente.

Dia 7 - Freycinet - Hobart


Acordámos antes do raiar do dia para ir ver o sol do miradouro. Que sorte de dia, com tanto sol! O cruzeiro na baía de Freycinet pareceu quase estival. As pessoas eram sossegadas e o avistamento de diferentes aves, focas, golfinhos, para além dos originais penhascos de granito que emolduravam as falésias, e a água cor de Arrábida, foi agraciamento de turista em dia afortunado. Não havia generosidades de serviço (nem uma água ou chá eram oferecidos, e aquilo a que chamaram almoço media-se por cova de dente de leite), falava-se demais, sem pensar nos estrangeiros, sem completar o parlapié com apoio escrito que muito teria ajudado à compreensão, mas os olhos saborearam muito. Hobart sugava gente pelo rio, pelas pontes. Chegámos após o crepúsculo. Lá fora todos se recolhiam, e nós fizemos o mesmo.

Dia 8 - Hobart - Sydney


Saímos cedo e a gravidade escura da Praça de Salamanca, usada em contra-senso com fins de folia, ainda só tinha trabalho de bastidores, como cargas e descargas. Chuviscava, por vezes chovia mesmo. Pensei nesta como numa cidade dinamarquesa cujo nome já não recordo, compacta, com o seu comércio suficientemente variado mas sem nada de marcante, pessoas não muito alegres, um ou outro apontamento de irreverência na arte urbana. As ruas do centro tinham as suas lojas, as suas arcadas, uma ou outra originalidade. A zona portuária transbordava de história contada e tácita, narrada e adivinhada, de quem aqui desembarcara proscrito. The Battery tinha moradias adoravelmente guarnecidas com um conforto discreto que se entrevia pelas janelas e os seus jardins, cuja riqueza falava exclusivamente através da decência do seu cuidado. Antes de partirmos do aeroporto, caminhámos ainda longamente no areal de Nine Mile Wave, onde reformados e cães esticavam as pernas na imensidão serena da praia de inverno, juncada de conchas de vieiras perfeitas. Uma onda comprida, regular e pequena caía com um estrépito desproporcional ao seu pequeno tamanho. Daí a um par de horas, Sydney iria sacudir-nos com a sua muita, muita gente apressada, os seus arranha-céus autoconfiantes, alguns bonitos edifícios de antanho isolados na vertigem do progresso. Aqui havia muito mais caras de diferentes etnias, ouvidos melhor treinados para sotaques forâneos, o fascínio e a contradição de uma metrópole enorme e carismática. Outra dimensão, em tudo.

Dia 9 - Sydney


O nosso condutor parecia apreensivo com os horários. Inicialmente circunspecto, o Sr. Graham revelaria virtudes: uma fala pausada, com uma pronúncia acessível ao ouvido mais duro de qualquer estrangeiro minimamente familiarizado com o inglês; um humor fino e inesperado; e um conhecimento valioso para o ignorante. Foi assim a nossa confortável visita guiada da manhã a Sydney, passando pelos pontos célebres além-mares e também por outros puramente desconhecidos do nosso lado (como a roulotte famosa, a zona dos vícios, os penhascos dos suicidas e a história do homem que salvou mais de 160 vidas ao convidar para conversar pela noite fora, na sua casa ali ao lado, quem deu mostras das suas intenções nefastas). A visita terminou em Darling Harbour, onde passeámos um pouco antes de ir almoçar com o meu parceiro australiano. Foi muito interessante conhecer o escritório e algumas pessoas com quem me correspondi em fuso horário diagonalmente oposto durante anos. O David foi uma boa companhia de almoço e tinha um cérebro notavelmente organizado, porque pouco tempo depois da visita mandou-me um email cobrindo todas as questões que tinham sido abordadas na conversa. De tarde fomos explorar as zonas que ainda não conhecíamos - nomeadamente Chinatown e os jardins envolventes do Jardim Chinês da Amizade. Comemos gelados e andámos, andámos. À noite fomos à ópera ver a Aida (a uma cliente que me pediu a reserva para si mesma o devo). Só pela sala, a experiência já seria especial. Mas a produção surpreendeu-me muito, de tão sofisticada (cruzando a excelência musical da orquestra, a acústica inigualável, a qualidade dos cantores, a opulência do guarda-roupa e o arrojo das projecções de vídeo que faziam o cenário transcender-se). Eu tenho as minhas manias elitistas, mas estou muito longe de conseguir identificar de uma ópera mais que as árias dos best-of. Pois posso dizer que cada minuto foi arrebatador, sem uma fresta de tédio ou distracção. A contralto tinha muita presença, o tenor tinha uma voz claríssima, o baixo era de respeito. A Aida em si estava representada por uma soprano cristalina, mas tão gorda e inexpressiva que resultava menos convincente do que se desejaria. Mas o conjunto foi tão espectacular que sinceramente digo que me lembrou o Carnaval do Rio em intensidade de estímulos sensoriais. Quando digo que nunca me sairá da memória não estou a usar de lugar-comum: foi um dos momentos musicais mais marcantes da minha vida.

Dia 10 - Sydney - Blue Mountains - Sydney


Apanharam-nos ainda nem 7h eram, para se escapar ao trânsito. Hoje fizemos uma visita de turistas a zonas de turistas, com muito tempo no autocarro e pouco nos miradouros. Mas valeu por duas coisas: a paragem numa quinta pedagógica, que tinha koalas, wallabies, cangurus de duas espécies, um camelo, um burro, e animais "normais" de quinta, onde me derreti a cair na esparrela de fazer festas e alimentar os bichos. Sim, custa vê-los fora do ambiente natural em liberdade, mas sim, sabe muito bem sentir-lhes o pelinho macio. Que se há-de fazer? A segunda coisa muito boa foi a impressão de as paisagens serem mais bonitas do que havia imaginado: as Três Irmãs, Govetts Leap, o Jardim Botânico, foram por mim descritos 8 anos a fio em programas de clientes, sempre com a secreta sensação de que seriam pequenos embustes. Mas não, são paisagens grandes e belas, que apenas mereciam dias vagueantes por ali, sem pressas, para se entranharem devidamente na memória.



Dia 11 - Sydney


Sábado na cidade - e um amanhecer quente e sossegado. Impusemo-nos poucas coisas, neste dia propositadamente deixado livre. Visitar um mercado de frescos em Chinatown, primeiro. Ainda mal estava a ser montado. Apanhar o ferry até Manly, depois. Não tínhamos pressa: fizemos a pé o trajecto até Circular Quay, olhando melhor para as ruas, formando as suas palavras cruzadas entre arranha-céus, restos novecentistas e obras infatigáveis. Passámos por Rocks, esse bairro que era de estivadores e agora é de ricos de pendor boémio. Havia um mercadinho, precisamente, para ricos boémios e turistas aspirantes a boémios. Depois, escolhemos o ferry mais lento e vimos Sydney do friso lateral, ao ar livre, espreguiçar-se debaixo do sol. Manly é o que pode combinar-se entre o Barreiro, a Costa da Caparica, o Estoril e Matosinhos, atraindo surfistas e passeantes de um lado, gente bem-vestida a almoçar do outro e até uma pequena reserva natural onde acorrem pequenos pinguins em clima adequado (é que hoje, a meio do Inverno, estiveram 25ºC) e onde locais e visitantes podem caminhar à beira de um mar inexplicavelmente turquesa-mediterrânico sobre uns passadiços de madeira. Fomos provavelmente os únicos a almoçar grelhados no restaurante e, arriscarei mesmo dizer, num raio de muitos restaurantes. Os fritos imperam por todo o lado, de uma forma tenebrosa. Há famílias inteiras de gordos a devorar fritos, gente com ar fino a comer delicadamente fritos, fritos por todo o lado, desde as mimosas vieiras aos pujantes filetes de peixe, o panado e o frito tudo mascaram. O acompanhamento universal são as batatas - fritas, sempre fritas. Mas hoje conseguimos fugir à sina. Para entrada comemos meia-dúzia de ostras, irrepreensíveis e menos salgadas do que as nossas. Depois, umas amostras de vieiras, uns camarões grelhados e um barramundi grelhadinho sem enfeites - muito bons. Regressando à cidade, já bem mais cheia de gente por esta hora, subimos os Jardins Botânicos para ir ver a Galeria de Artes. Visitar um museu civilizado e heteróclito como este é um dever cultural que se cumpre sem esforço. A arte aborígene era especialmente interessante, mas também havia pintura e escultura de europeus famosos, bem como as inspirações dos seus homólogos australianos. Para o fim do dia, houve projecções de motivos aborígenes, numa animação abstracta que se repete a cada pôr-do-sol, no lado este da Ópera. Passámos no supermercado para comprar o jantar e constatámos que a carne de vaca era bem mais barata que a de porco. Conseguimos que nos emprestassem um saleiro na recepção dos apartamentos. E o dia findou digno de uma grande cidade em despedida, com um cansaço de sentidos cheios e uma lassidão pensativa sobre os ritmos dos mundos.





Dia 12 - Sydney - Hamilton Island


Em Sydney, as pessoas são diferentes. Metem-se mais connosco, fazem piadas, conversam - do nada. Estão mais perto do estereótipo do australiano porreiraço. Eu encaro quem

adaptar em prol do outro, a auto-confiança (mas sem a elegância britânica) e o
fui conhecendo deste povo como um meio-termo impreciso entre a fisionomia inglesa, o seu amor à autoridade e às regras, a rigidez derivada da falta de vontade de se pragmatismo americano, o mesmo tipo urbanístico, a capacidade de tagarelar, a hipérbole e o histrionismo (mas sem tanta informalidade). Hamilton Island é vendida, em Portugal, com aura de paraíso. Com efeito, a aterragem mostra uma paisagem encantadora de ilhas completamente florestadas, sobre um mar do qual se vê os corais à transparência, mesmo do ar. Em termos cénicos, é difícil de ultrapassar.

Mas, em termos endógenos, as primeiras horas das minhas impressões mostraram-me uma construção, não diria densa, mas bastante presente; um uso em quantidade absurda de carrinhos de golfe, quais zangões apatetados, para as deslocações internas, cujos trajectos recaem, na esmagadora maioria, no intervalo dos 5 a 10 minutos a pé; um hotel mastodôntico e datado, falho de um conjunto de pormenores que lhe mereceriam a categoria e o preço (se os casais que para aqui mandei em lua-de-mel não me insultaram, isso diz melhor da natureza humana do que eu poderia supor); uma maré baixa à hora da minha chegada, deixando a descoberto um lençol de areia que mais parecia as praias inglesas na descrição nada abonatória do Magueijo (e não vou citar o seu vernáculo); uma água friazinha para a zona que é (bem sei que estamos no Inverno mas, que diabos, são os trópicos); uma grande abundância de raias de perigosidade por atestar, mas de porte respeitável por si só, a atapetar a zona de snorkelling; gente por todo o lado (saberão eles que é Inverno?) e da espécie que se vê no Algarve (pelo menos do que eu me lembro) - enfim, até agora valeram as estrelas, enormes, misteriosas, a ansiar por mais escuridão para poderem brilhar sem estorvos. Amanhã haverá cruzeiro para as que espero sejam as verdadeiras, não fraudulentas, belezas da Grande Barreira de Coral!


Dia 13 - Hamilton Island - Grande Barreira de Coral - Hamilton Island


O cartaz meteorológico no pontão avisava para mar "rough" (um termo que faz "encrespado" parecer irmão de "liso"), ventos de 30 nós, ondas de 3 metros e uma sensação geral de rock-and-roll. Sem mentiras. Esteve um vento danado, com um frio que me fez repescar o kispo do fundo da mala, achando erradamente que o Inverno tinha passado. Claramente, o Inverno tinha chegado, isso sim. O barco era enorme, levava mais de uma centena de pessoas, muitos dos quais chineses (mas deixem-nos de preconceitos: os australianos são os espanhóis do mundo anglófono - que falam muito, alto e demasiado depressa para que os percebamos. Não serão uns pobres chineses a incomodar em tal contexto). A tripulação debitava incentivos à diversão, à compra de excursões dentro da excursão, com invocações incontornáveis de "cool", "great", "amazing", "awesome" e outros lugares-comuns do exagero oco. Também matraqueou conselhos e explicações de como proceder no barco e na água, como se todos tivessem um gravador para repetir depois o que eles tinham dito, a ¼ da velocidade. Vá lá, havia alguma contemplação para com os chineses, que tinham direito a algumas frases traduzidas para eles. O resto do mundo não-anglófono que se lixasse (depois de ter pago, naturalmente). A ida demorou 2h com o barco a bater bem ao cair das ondas. Avistámos algumas baleias pelo caminho. À chegada ao recife, toda a beleza e toda a desilusão desta viagem: a água estava tão agitada que as minhas duas tentativas de fazer snorkelling bateram o record de sempre: nem 2 minutos estive na água. E só consegui ver os peixes que já tinha visto do posto submerso de observação do barco (uma cave com vidro). Também havia um barco semi-submergível de onde se podia ver um lampejo dos corais e onde andei duas vezes, mas não, não era a mesma coisa. Ora, se não é para isto que uma pessoa atravessa o mundo! Nem os camarões à discrição no buffet do almoço (que tirando, os camarões, estava cheio de saladas com muitos molhos) consolariam quem veio para ver peixinhos coloridos debaixo de água. Paciência. O barco partiu deixando vistas divinas sobre os cambiantes de azul do recife - ah, de longe pareciam tão convidativos... No regresso, as ondas pareceram a dobrar. Houve mais baleias. A maré da praia do hotel estava outra vez baixa. E foi assim a minha experiência na Grande Barreira de Coral, que calarei bem calada se quero continuar a vendê-la...

terça-feira, 2 de outubro de 2018

A Raquel foi à Austrália. E conta-nos tudo! - Parte 1

A Austrália é um dos destinos mais longínquos. É um país e um continente ao mesmo tempo. E estava há tempo na bucket list da Raquel. A Raquel é uma das viajantes por detrás da Travel Tailors. O seu desejo de conhecer o Mundo despertou e nunca mais parou. E é esse desejo que também fez nascer a Travel Tailors. Mas isso será uma história para outro dia.

Hoje falamos da Austrália pelos olhos da Raquel. E com as palavras dela.

Anoitece em HK e nós partimos

Que dizer de Hong Kong? Foi graças a ela que mudei para sempre e comecei a perseguir o sonho de ver mais do Mundo. Quem sabe se outra cidade mais próxima e fácil teria produzido tal faísca? Revivi-a, por isso, intensamente e sem um pingo de paixão a menos. É uma cidade muito rápida, intransigente, mas livre e sem falas mansas. E isso dá o descanso que advém da franqueza recíproca. Mas se o facies de HK mantém a matriz da minha memória, Macau foi completamente desfigurada. Mas os cantinhos portugueses estão estimados, talvez mais até do que há 25 anos. E por isso saio destas paragens com carinho, com gratidão e, mais prosaicamente, sem quaisquer dores de costas!

A primeira semana na Austrália

Dia 1 - Melbourne



Excelente visita guiada, a da manhã: Arcades and Lanes (arcadas e ruelas). Ativemo-nos a um rectângulo pequeno da cidade, mas com histórias elaboradas sobre cada espaço. Entrámos nalgumas lojas e cafés, ouvimos alguns proprietários, vimos coisas invulgares. Aliás, Melbourne é invulgar. Não tendo trunfos arquitectónicos ou paisagísticos notáveis, fez da combinação de individualidades extravagantes a sua grande atracção.







Nota-se o espírito boémio, artístico, fora do baralho. De tão incomum, não posso dizer que fosse cidade onde viveria – fez-me sentir banal (e sem culpa). Mas merecia garantidamente mais 2 ou 3 dias inteiros. Fomos visitar a impressionante biblioteca estatal, um colosso cheio de gente – impressionante testemunho de que uma biblioteca pode ser um espaço atraente e concorrido. E, ao fim da tarde, a Bárbara mostrou-nos a universidade onde trabalhava e levou-nos à praia de St. Kilda, onde vimos os pequenos pinguins a passear já de noite. Por esta não esperávamos. Terminámos com um pho vietnamita quentinho.

Dia 2 - Melbourne – Great Ocean Road (12 Apóstolos / Loch Ard) – Melbourne

Ah, o marketing, que fez desta estrada só raramente costeira (a despeito de nome tão enganador) a epopeia de viajantes e condutores rumo à Meca do estilo de vida australiano, essa incógnita tão celebrada e tão exagerada.

Coisa minha; eu cá embirro com gente demasiado descontraída e com surfistas em particular. A Great Ocean Road tinha quase tudo para não me dizer nada. Mas se se vende! Pois que havia que vê-la.
Os guias falam do interesse de Torquay e mais umas terreolas viradas para o surf, mas são honestos ao dizer que a estrada só se torna interessante de Lorne em diante. Verdade verdadinha. Aí sim, o verde das colinas com vacas a pastar derrama-se num Pacífico iluminado por um sol muito dourado, a água ronceirinha à estrada sem sobressalto, algumas falésias de impressionar e muito poucos viajantes em trânsito. Por ser Inverno, aproveitam para fazer algumas reparações na estrada, tornando a viagem mais lenta. Tinham-nos dito que havia koalas em Kenett River, e havia mesmo. Encontrar o primeiro foi fácil, porque havia turistas parados a olhar, mas avistar os seguintes foi mérito nosso, porque era preciso subir por um carreiro inclinado (fomos a pé). Estavam muito enrolados a dormitar no topo das árvores.




Mas a maior surpresa foi, já no regresso e sem qualquer ideia de que os haveria por ali, ver um canguru a trincar uma erva tenra, saído do nada, a muito poucos metros de nós. Ficámos incrédulos e com um sorriso de orelha a orelha.



Prosseguimos a viagem com o dia já meio ganho. Pouco depois de Apollo Bay, a estrada guinou para dentro e atravessou umas florestas de respeito, seguindo-se uns prados alpinos de total sossego. Foi quase 5h depois do início da longa viagem que alcançamos os 12 Apóstolos. De onde teria saído tanto asiático frenético, não saberíamos dizê-lo, já que o nosso caminho de ida fora tão desacompanhado de carros. E os helicópteros não podiam levá-los a todos. Contra a maralha, conseguimos fazer o passadiço até ao miradouro. O sol estava contrário às rochas, mas a vista para o lado oposto não era menos bonita. Fomos ainda espreitar as estalagmites de Loch Ard Gate (também pejado de turistas).

Em epílogo, descreveria este passeio como uma combinação dos Açores, da Irlanda, das falésias de Sagres e da marginal entre a Boca do Inferno e o Cabo da Roca.

Dia 3 - Melbourne – Hobart – Tarraleah

Tomámos o pequeno-almoço e despedimo-nos da Bárbara. Voltámos a encontrar um trânsito intenso. Achámos que tínhamos chegado ao aeroporto demasiado em cima da hora, mas depois o voo atrasou quase 1h. Chegando a Hobart, depois de atendidos por uma empregada do rent-a-car que nos prodigalizou recomendações e piadas amáveis (talvez das poucas pessoas que achei genuinamente simpáticas das interacções até à data), começámos a condução na esperança de comer em qualquer sítio sossegado e despretensioso que aparecesse no caminho. Mas isso foi coisa que não se vislumbrou espontaneamente. O que havia, isso sim, era uma auto-estrada incrivelmente cheia de trânsito, nada condizente com a minha ideia da Tasmânia. Eram 2h da tarde e tínhamos fome. Saímos aleatoriamente da auto-estrada e alegrámo-nos com uma placa que tinha o símbolo informativo de restaurante. Estava ao virar da saída, era o melhor e o único. Por fora parecia uma taberna sombria, mas por dentro tinha uma empregada álacre que foi comover o chef (a cozinha já tinha fechado) e, no piso de cima, uma sala bonita e luminosa com vista para o lago. Comemos peixe e lulas panados que nos souberam pela vida, com uma boa cerveja. A televisão passava o que parecia ser bingo, a que ninguém ligava. Um grupo de 4 reformados bebia uma garrafa de vinho e falava, em voz baixa e ritmo animado, de coisas que me fizeram pensar que eram reformados bastante mais interessantes do que aqueles que já tinha ouvido em cafés lusos. Havia talvez mais 2 ou 3 homens solitários sentados pela sala, já de idade, um deles falando com a empregada ao balcão. Retomou-se a condução, liberta do trânsito intenso que enxameava Hobart e arredores. Localizámos um supermercado na navegação online e foi de grande sensatez parar e fazer compras. A partir daí estaríamos em auto-aprovisionamento, ficando em alojamentos com cozinha, e não havia mais nada (mesmo nada) nos próximos quase 100kms onde pudéssemos abastecer-nos. Fui estarrecendo com os preços e ficando contente por poder cozinhar e não ter que depender de restaurantes caríssimos (a havê-los, claro). A paisagem evoluiu para campos com floresta densa em pano de fundo, para colinas áridas, de árvores esparsas e anãs, gado calado, ausência de marcas humanas e um sentimento de fim do mundo, vagamente inquietante, mas também libertador. A terra onde pernoitaríamos tinha sido estância de trabalho de uma central hidroeléctrica, abandonada nos anos 30 e reanimada por um único proprietário que aproveitou os chalets dos engenheiros e as humildes casas dos trabalhadores para o turismo. Uma aldeia fantasma, que mais fantasma era neste dia, já depois do crepúsculo. A recepção não funcionava no Inverno, por isso as nossas chaves e instruções estavam num envelope com o nosso nome dentro de uma caixinha à porta da recepção. Tinham prometido que a nossa cabine à beira do lago teria patos amigáveis, e assim era. Havia 5 patos (que mais pareciam gansos) a grasnar em procissão à nossa porta. De resto, haveria talvez mais 2 cabines ocupadas numa área muito grande. O sossego era absoluto, não havia rede de telefone a não ser de uma operadora e nada de internet. O directório era muito completo, contava a história do local e falava de fauna e flora selvagem para apreciar em vários trilhos. Tinham deixado o aquecimento no máximo para nós, pelo que se estava muito bem, a tomar banho quente, a fazer o jantar cheio de vegetais e a saboreá-lo sem preocupações. Merecidamente, dormimos cedo. Notas paralelas do dia: A empregada do piso de cima do restaurante onde almoçámos era, conforme o padrão que começávamos a perceber, rápida a falar e desconcertantemente hábil a misturar palavras de extrema e calorosa amabilidade, com um semblante de indiferença enquanto as pronunciava. Usava de um desprezo quase teatral a falar do patrão. Também à semelhança de outras que nos foram atendendo, tinha o cabelo cor de palha e a pele já vincada à volta dos olhos, embora não sendo velha. As fórmulas de cortesia, longas e desveladas, usadas genericamente com poucos sorrisos nos serviços, em vez de derreterem, criam desconforto nesta turista portuguesa, a quem tamanha hiperbolização vocal parece um enxerto mal feito da deliciosa e alegre simpatia irlandesa.

Dia 4 - Tarraleah – Cradle Mountain


De noite choveu pesadamente, mas de manhã o sol pôs-se em vantagem sobre o frio. Os patos tinham desaparecido, mas as aves começavam o dia com energia e cores surpreendentes para uma ilha de clima temperado. Saímos à procura dos quolls (havia um trilho específico para quolls, que pelas descrições eram os menos noctívagos do leque de animais selvagens da zona). Contornámos o lago, usámos umas pontes específicas para ultrapassar vedações de arame farpado e começámos por espreitar as vacas escocesas, muito peludas, à mistura com uma ovelha e uma cabra. Um grande boi de enormes cornos estava mais perto da estrada, mas ocupava-se a coçar o pescoço de pêlo enriçado num tronco de arbusto seco, cujas pontas afiadas lhe davam alívio. Mal entrávamos no trilho para dentro do bosque e já víamos um wallaby a retoçar a erva. Quando fomos caminhando, fomos vendo mais, fugidios. O bosque era sombrio e musgoso, um encanto de solidão e silêncio. Não vimos quolls. Depois desta caminhada, descobrimos que havia seres humanos na recepção, mas já de saída. Conduziu-se em direcção à costa oeste. A paisagem evoluiu entre bosques, lagos, prados, estepes mais rasteiras, vistas de montanhas cumeadas de neve, uma povoação mineira de ar desolado mas com um surpreendente número de alojamentos quando comparada com as outras localidades que atravessámos. Parámos nas Cascatas Nelson, que se alcançavam por um trilho muito bem cuidado e bonito, ao longo de um rio sossegado e com várias placas pedagógicas. A cascata estava pujante no seu Inverno. E sem ninguém, no nosso Verão. A pequena cidade costeira de Strahan, encastrada entre braços de mar, vinha gabada num dos guias que lemos mas, além de estar praticamente em hibernação, estava a ser brindada pelos primeiros chuviscos do nosso dia. O outro livro de viagens dizia que aqui tudo era artificial e caro, da gasolina ao pão. Talvez por ler isto e por se pagar todo e qualquer lugar de estacionamento, mesmo em clima frio e época turística deserta, parámos num snack à beira da estrada, um pouco mais à frente, onde uma senhora larga, que não compreendeu o meu pedido de salmão grelhado a não ser à terceira, nos serviu comida bastante reconfortante. Fomos ao supermercado reforçar provisões para os próximos dias. Os avisos dos guias eram sérios sobre a escassez de oferta para as bandas que buscávamos. A partir daí, choveu sem parar todo o caminho até Cradle Mountain. Nos últimos 50kms vimos talvez mais carros juntos, em sentido contrário ao nosso, do que nas últimas 24h (seriam as 4 da tarde, a cair para a noite). Chegámos de novo com a recepção fechada e o envelope com chave e instruções numa pequena caixinha. Ao contrário de ontem, ainda havia muita gente por chegar, a avaliar pelos vários envelopes. A nossa cabana, sóbria por fora, era uma delícia de comodidade por dentro. A lareira estava acesa, o espaço estava inteligentemente distribuído e nada de mais agradável me podia ocorrer para passar esta noite fria e chuvosa no coração da Tasmânia. Notas paralelas do dia: Há dezenas de animais mortos pelos carros nas bermas das estradas. Os guias de viagem recomendam arrastá-los para a berma em caso de atropelamento mortal para não constituírem perigo para os condutores seguintes. Se ainda estiverem vivos, dizem para se chamar os serviços de socorro especializados. Faz aflição. Há avisos de trânsito profusos e geralmente humorísticos, ainda que severos – sobre sinistralidade, cansaço ao volante, linhas do comboio paralelas à estrada (!), multas e outras preocupações que parecem estranhas em estradas tão vazias. Cada terrinha, por mais insignificante, esmera-se no marketing. Se não tem beleza, se não tem um passado elegante, homenageia os trabalhadores que aqui desbravaram territórios, ergue-lhes memoriais, faz museus, conta histórias, em suma. E qualquer banalidade ganha a sua eternidade, ao serviço de locais e visitantes. Há uma verdadeira obsessão com a inscrição da origem australiana nos produtos. Primeiro pensámos que fosse só nos alimentos, mas depois começámos a ver a alegação bem visível também em lavatórios e fornos. Quem não pode dizer que é australiano, feito com ingredientes australianos, com mais de 90% de composição australiana, é bom que diga que é orgânico. É a única possibilidade alternativa de escapar com vida do julgamento moral do consumidor. Que esta gente aqui é muito susceptível às origens.

Dia 5 - Cradle Mountain

Tínhamos combinado levantar-nos quando raiasse o dia, mas deixámos chover copiosamente e enterrámo-nos sob as mantas, em negação do gelo que estava na cabine, até perto das 9 (ontem desligámos o aquecimento por precaução, mas de manhã estava de se bater o dente). Fizemos muito bem – depois do pequeno-almoço, não choveria mais o dia todo e, de tarde, pôs-se um sol bem bonito.


Este parque natural tem as infraestruturas para caminhadas mais democráticas que conheço. Há trilhos de muito curta duração, alguns apropriados para cadeiras de rodas ou membros da família de todas as idades passearem juntos, trilhos de meio-dia (com 3 horas em média), trilhos de dia inteiro e trilhos para vários dias seguidos. Até no Inverno há quem faça o overland de 6 dias que vai daqui ao Lago St. Clair (ainda hoje de manhã partiu um grupo). Todos os percursos estão bem marcados, ou em passadiços de madeira revestidos de rede de galinheiro para não se escorregar, ou em gravilha batida. E há um autocarro gratuito de 15 em 15 minutos, que leva os utentes desde o centro de recepção dos visitantes até ao início de cada ponto das caminhadas, que aliás têm ligação entre si, permitindo andar ou interromper o caminho ao ritmo e possibilidade de cada um. O motorista dava, na ida, um chorrilho de explicações bem-humoradas (embora com a cadência de um relato de futebol, o que para os ouvidos menos preparados para sotaques, como os meus, reduz alguma da informação apreendida). Nunca vi uma organização assim, e tenho andado por aí.

O nosso passeio começou por contornar o Lago Dove, do qual se avistaria, em boas condições climatéricas, a forma de quarto minguante da montanha (apodada de Montanha do Berço, também pela sua forma). Tivemos vários lampejos, se não limpos, pelo menos completos. O trilho evoluía entre paisagens mais e menos densas de vegetação húmida, musgo, líquenes, cascatas. Havia alguma gente, mas estava-se muito à vontade.
Ao fim de 2 horas, apanhámos o autocarro para o próximo ponto de caminhada, com a grande motivação de ver wombats (o motorista tinha apontado para um na encosta daquela zona, na ida). Começamos por almoçar as sanduiches que tínhamos, embora sob escrutínio ameaçador de um bando de corvos locais, que foram saltitando até ao topo da nossa mesa e do banco de madeira onde estávamos sentados. Quando íamos subir uma encosta para ver melhor um wombat que estava no cimo da colina, deparamos com um pertíssimo de nós, a caminhar na passadeira para os trekkers, extremamente roliço e seguro de si. Pudemos observá-lo com toda a calma enquanto ele passava, imperturbável, por entre alguns turistas de boca aberta e máquina fotográfica em riste. Fizemos calmamente a caminhada de regresso, através dos passadiços, encontrando mais alguns wombats a pastar e vendo paisagens muito variáveis, dos tufos rasteiros ensopados na água do degelo, a pequenos bosques druídicos onde a luz mal entra e o musgo grassa com encanto. Numa das paragens, completámos a observação da fauna com wallabies sorrateiros. Percebo o que disseram os meus clientes: depois de ver estes animais ao ar livre no seu ambiente natural, ninguém quer ver mais reservas ou visitas organizadas. O motorista que nos levou viu-nos caminhar na berma, na derradeira subida e, embora não fosse uma paragem oficial, parou simpaticamente para nos dar boleia. Ficámos muito gratos. Agora temos preparada uma visita aos diabos da tasmânia – sim, numa reserva, mas há que considerar que os bichinhos estão em extinção. São peludinhos, bonitos mas realmente ferozes. Numa visita guiada muito competente, ficámos a perceber porquê. E também vimos quolls de diferentes variedades, para uma grande barrigada de fauna explicada.

Que dia soberbo.
Para algumas pessoas, a ideia de descanso é estar numa ilha tropical. Eu troco bem os mosquitos, a areia, o calor pegajoso, a música indesejável e os outros hóspedes boçais, por este Inverno espaçoso, esta natureza intacta, este civismo de pasmar na relação com essa mesma natureza, uma cabana com lareira ao fim do dia e sopa quente a fumegar no prato com vegetais frescos descascados por nós.


Continua...